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Domingo, 27 de agosto de 2023 - 10:42:25
“Destilado com energético é gatilho de infarto em jovens”
CASOS DE INFARTO ENTRE JOVENS
Casos tiveram aumento de 229% na última década no Estado; homens são maiores vítimas

O presidente da Sociedade de Cardiologia de Mato Grosso, Fábio Argenta, falou sobre o aumento expressivo nos casos de infartos na última década e os fatores que têm favorecido o cenário de adoecimento da população.

Destilados misturados com energéticos servem como um gatilho para desenvolver, por exemplo, um infarto num indivíduo mais jovem

 

Acometendo cada vez mais jovens, os casos de internação por infarto no Estado tiveram um aumento de 229% na última década, entre os anos 2008 e 2022, segundo um estudo do Instituto Nacional de Cardiologia.

 

Argenta explica que o aumento no do consumo de álcool, em especial de destilados associados a energéticos, contribui para casos em pessoas mais jovens.

 

“Promove uma estimulação do sistema nervoso simpático do indivíduo. Ou seja, faz liberar catecolamina, adrenalina, noradrenalina, que prejudicam a camada interna das artérias, o endotélio, e promove picos de pressão arterial”.

 

 

“Destilados misturados com energéticos servem como um gatilho para desenvolver, por exemplo, um infarto num indivíduo mais jovem”, afirmou.

 

O especialista falou também sobre outros fatores de risco, deu orientações para evitar as doenças coronárias e falou sobre curiosidades que cercam o tema.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews – Na última década houve um aumento de 229% nas internações por infarto em Mato Grosso. A que se deve esse aumento?

 

Fábio Argenta – Deve-se a estilos de vida inadequados. Sedentarismo, estresse... Uma vida sedentária leva a sobrepeso e obesidade. Em Mato Grosso mais da metade da população está em situação de sobrepeso. Já o estresse, por si só, é um fator de risco isolado para ter um derrame ou infarto. Não precisa de mais nada.

Temos também o tabagismo, desde o cigarro comum até o eletrônico e o narguilé. Todos são prejudiciais à saúde. A pitada do narguilé, por exemplo, equivale a fumar mais de 200 cigarros

 

Temos também o tabagismo, desde o cigarro comum até o eletrônico e o narguilé. Todos são prejudiciais à saúde. A pitada do narguilé, por exemplo, equivale a fumar mais de 200 cigarros. Muitos pensam que o cigarro eletrônico é inofensivo, mas, além da nicotina, ele tem outras toxinas, como uma bateria de lítio que provoca inflamação crônica dos pulmões, além de levar todas as complicações do tabaco.

 

Tem também o aumento do consumo de álcool, sobretudo destilados com energéticos, o que promove uma estimulação do sistema nervoso simpático do indivíduo. Ou seja, faz liberar catecolamina, adrenalina, noradrenalina, que prejudicam a camada interna das artérias, o endotélio, e promove picos de pressão arterial. Destilados misturados com energéticos servem como um gatilho para desenvolver, por exemplo, um infarto num indivíduo mais jovem.

 

Privação de sono e abuso, sobretudo aos finais de semana, de álcool com muito sódio na alimentação. Isso também colabora.

 

MidiaNews – Médicos têm dito que infarto em pessoas entre 30 e 40 anos deixaram de ser casos surpreendentes? O senhor também tem essa percepção?

 

Fábio Argenta – O estilo de vida com hábitos inadequados tem aumentado nessa faixa etária, de 30 e 40 anos, fazendo com que essa população de jovens adultos desenvolva, de forma cada vez mais precoce, doenças arteriais coronarianas. São ingredientes para a formação de placas de gordura nas artérias, o que posteriormente leva ao rompimento de uma dessas placas, seja na coronária do coração ou na artéria que irriga o cérebro, levando a um derrame ou mesmo a um infarto.

 

Nessa população, além dos fatores que já citei, tem as atividades físicas sem uma avaliação cardiológica adequada. Sobretudo, as que incentivem um corpo “aparentemente saudável”. A pessoa faz, de forma desordenada, atividades físicas com cargas exageradas, sem o devido acompanhamento, seja do cardiologista ou do educador físico. Agravante a isso, tem o uso inadequado de substâncias hormonais, medicações usadas, não para fins de tratamento, mas para fins de beleza, estéticos. Isso faz com que o indivíduo também desenvolva mais precocemente doença nas suas artérias, no endotélio (camada interna). Por vezes essas bombas servem como gatilho no indivíduo que já tem uma placa de gordura para romper, o que pode levar a um infarto, por exemplo. A gente chama esse conjunto de hormônios, bombas e afins de anabolizantes.

No homem a doença cardiovascular, hipertensão arterial, aterosclerose, mesmo a diabetes, costuma ser mais precoce. Depois de uns 30, 35 anos 

 

MidiaNews – Os dados mostram que homens são as principais vítimas. Existe algum fator para isso?

 

Fábio Argenta – A doença cardiovascular aparece na mulher depois dos 45, 50 anos, visto que é aí que ela perde o estrogênio, hormônio feminino natural que exerce uma proteção no endotélio (camada interna das artérias), fazendo que ocorra vasodilatação. É uma proteção que evita a formação de placas. Mas não é que ela não possa desenvolver antes doenças cardiovasculares. Ao entrar na menopausa, a mulher vai perdendo esse estrogênio e aí, de forma bruta, aparecem as doenças cardiovasculares.

 

No homem a doença cardiovascular, hipertensão arterial, aterosclerose, mesmo a diabetes, costumam ser mais precoces. Depois de uns 30, 35 anos. Tanto pelo fator biológico quanto pelo comportamental, tendo em vista que o homem já tem uma tendência maior a hábitos de estilo de vida mais inadequados.

 

MidiaNews – O senhor notou algum aumento no número de mulheres infartadas nos últimos anos? Remédios para emagrecer também entrariam nessa lista?

 

Fábio Argenta – Os casos têm crescido muito. Hoje vemos mulheres cada vez mais jovens com doenças cardiovasculares pelo uso inadequado de substâncias para fins estéticos, por exemplo. As anfetaminas estimulam o sistema nervoso simpático, promovem a liberação de adrenalina, noradrenalina e acabam sendo prejudiciais. Existem no mercado remédios para emagrecer mais seguros, que devem ser usados com indicação e acompanhamento médico, pela nutricionista, pelo educador físico. Mas o uso inadequado acaba predispondo para a doença.

 

MidiaNews – É verdade ou mito que os infartos em pessoas mais novas são mais fatais do que nos mais velhos?

 

Fábio Argenta – É verdade. No indivíduo mais jovem o infarto acaba sendo mais fulminante, porque ele ainda não formou vasos colaterais, que são vasos que fazem uma “ponte” caso ocorra uma lesão coronariana, protegendo-o.

 

Já no idoso, sobretudo aquele que teve uma vida mais saudável, praticou atividade física, ele desenvolve mais vasos colaterais ao longo da vida, um leito arterial maior que acaba sendo benéfico.

 

MidiaNews – A Covid deixou sequelas diversas que ainda não foram totalmente estudadas. Existe algo sobre danos cardiológicos em pacientes que tiveram a Covid grave?

 

Fábio Argenta – Sim, a Covid desenvolveu arritmias nos indivíduos que já eram de alto risco cardiovascular. Para quem já tinha placas de gordura nas artérias, a Covid instabilizou essas placas, fazendo com que ocorresse infarto, angina (dor no peito pela diminuição do fluxo de sangue no coração), fazendo com que esses indivíduos acelerassem as suas doenças cardiovasculares, de pré-hipertensão. Serviu como gatilho para que a pressão realmente atingisse níveis maiores e o indivíduo se tornasse um hipertenso verdadeiro.

Infelizmente é uma doença silenciosa, na grande maioria das vezes não há sintoma. Às vezes, o primeiro sinal de que eu tenho uma doença em minhas artérias coronárias é o próprio infarto

 

Normalmente as sequelas da Covid, como a própria Sociedade de Cardiologia se posicionou, ocorrem, sobretudo, 70 dias após a doença e perduram, por vezes, por uma vida toda.

 

MidiaNews –  Existem sinais claros de que uma pessoa pode estar sofrendo um infarto? Quais seriam?

 

Fábio Argenta – Infelizmente é uma doença silenciosa, na grande maioria das vezes não há sintoma. Às vezes, o primeiro sinal de que eu tenho uma doença em minhas artérias coronárias é o próprio infarto. Metade dos indivíduos que sofrem infarto morrem antes mesmo de chegar ao hospital. Quando há um pré-infarto, o sintoma vai ser uma dor no peito, aos esforços, sobretudo, ou a um cansaço inadequado para aquela atividade que antes eu fazia sem me cansar.

 

MidiaNews –  É verdade que os sintomas de um infarto podem ser diferentes em homens e mulheres?

 

Fábio Argenta – Exatamente. Existe até um departamento da cardiologia da mulher, um de cardio geriatria, para o idoso, etc. Na mulher os sintomas são mais atípicos, ela sente um calafrio ou desconforto leve no peito, sintomas que ela pode não relacionar com um infarto. No idoso, os sintomas são mais sutis, mais leves. Já no homem, os sintomas costumam ser mais típicos, um desconforto muito forte que pode ir para os braços ou para a região do queixo, que vai levá-lo ao médico. Já nos diabéticos, em um terço deles, a pessoa pode ter um infarto sem sentir dor. Então existem grupos específicos.

 

MidiaNews – Pessoas com histórico familiar de infarto têm maior predisposição a ter doenças cardíacas?

 

Fábio Argenta – Filhos de homens que tiveram infarto abaixo de 55 anos, e de mulheres que tiveram infarto abaixo de 65 anos, comprovadamente têm um histórico importante.  A idade para começar a fazer check-ups é a partir de 18 anos, porém filhos de indivíduos que são hipertensos, que tem problema de colesterol muito alto, que tem um histórico cardiovascular mais importante, é interessante que façam uma primeira análise a partir de 10 anos.

 

MidiaNews – Dentre seus pacientes, há um perfil de vítimas?

 

Fábio Argenta – Indivíduos que vêm com um histórico familiar importante e que não têm um estilo de vida adequado e que, por vezes, não têm hábito de fazer pelo menos um check-up anual. Esse é o mais perigoso.

 

MidiaNews – Como a gente pode socorrer uma vítima que está sofrendo um ataque cardíaco?

 

Fábio Argenta – O ideal é ter um desfibrilador por perto. Hoje esses desfibriladores são automatizados, qualquer leigo saberia usar, o que facilita. O infarto dá um ritmo de fibrilação ventricular que dura até 10 minutos, se nesse tempo eu consigo dar um choque (cardioversão) o indivíduo pode recuperar o ritmo normal de batimento. Esses 10 minutos são fundamentais. Depois disso é difícil que o indivíduo volte. Em lugares com um grande público têm desfibriladores, estádios de futebol, shows, isso já está na lei, inclusive.

 

Se está dentro de casa tem que chamar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), mas, por vezes, até eles chegarem já é tarde.

 

MidiaNews – Evitar a carne vermelha ajuda a reduzir o risco de um infarto?

 

Fábio Argenta – Se eu tiver uma dieta de estilo mais mediterrânea, com mais legumes, verduras, frutas, peixes e até frango, é muito mais salutar do que uma dieta rica em gordura saturada e carne vermelha. Se comer carne vermelha, que seja moderado, evitando frituras de um modo geral.

 

Texto/Fonte: LIZ BRUNETTO midianews