Até para quem ostenta o título de último ditador da Europa, o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, se superou. Enviou um caça para interceptar um voo comercial da Ryanair, que sobrevoava o espaço aéreo bielorrusso, sob o pretexto de uma ameaça de bomba, apenas para retirar à força do avião o jornalista Roman Protasevich, crítico do regime.
O pouso de emergência em Minsk, embora o destino final fosse Vilnius, na Lituânia, resultou no sequestro do ex-editor dos canais do Telegram Nexta e Nexta Live, o único retirado à força do voo com 100 passageiros a bordo.
MAPA - Voo desviado em Belarus — Foto: Guilherme Pinheiro/Arte/G1
Tachado por Lukashenko de terrorista, por difundir os protestos que eclodiram no país após as eleições fraudulentas de agosto, Protasevich ganhou apoio imediato dos principais líderes europeus, que condenaram a ação do ditador bielorrusso.
A União Europeia deve ampliar as sanções, que já abarcam Lukashenko e 60 funcionários do regime. A Otan abriu investigação sobre o incidente, considerado sério e perigoso pelo secretário-geral Jens Stoltenberg.
Além de autocrata, Lukashenko passou a ser acusado de ato de pirataria e de forjar uma ameaça de bomba para prender um dissidente.
“Foi ato repreensível de terrorismo de Estado”, atestou o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, ao qualificar o desvio de rota de um voo comercial para objetivos políticos.
O jornalista estava exilado e voltava de Atenas, onde cobriu a visita à Grécia da líder opositora Sviatlana Tsikhanouskaya. Ela disputou a eleição com o ditador e foi forçada a fugir para a Lituânia.
Alexander Lukashenko, ditador de Belarus, em foto de 26 de abril — Foto: Sergei Sheleg/BelTA Pool Photo via AP, File
Embora o método para prender Protasevich tenha sido inusitado, a perseguição do regime aos jornalistas não surpreende. Ao contrário, tornou-se rotineira em Belarus, considerado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras o país mais perigoso da Europa para o exercício da profissão.
Mais de 500 jornalistas foram detidos desde agosto passado, apenas por documentarem as manifestações contra a reeleição do ditador, que não foi reconhecida pela União Europeia. Além de prisões de profissionais, a repressão à mídia inclui censura, bloqueios de sites e a recusa de gráficas oficiais a imprimir cinco jornais.
Quando Protasevich nasceu, há 26 anos, Lukashenko já comandava o país desde o ano anterior. Para irritação do ditador, o Nexta, fundado por ele, conseguiu contornar o apagão informativo do regime. No ano passado, o jornalista foi incluído na lista de “indivíduos envolvidos em atividades terroristas” por divulgar fotos e vídeos dos protestos e da repressão a opositores.
Por isso, com toda a razão, Protasevich se apavorou quando percebeu a manobra da aeronave da Ryanair e o desvio da rota, já perto da fronteira da Lituânia.
“Aqui me espera a pena de morte”, relatou a um passageiro, ao constatar rapidamente que era ele o alvo da operação.