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Friday, 14 de April de 2023 - 07:41:06
Dr. Mathis Haley, o artesão da advocacia!
ARTIGO
“Advocacia Criminal é solo sagrado que não se permite pisar por inábeis e covardes”. Dr. Mathis Haley – Advogado Criminalista

O prestigiado advogado criminalista sorrisense, Dr. Mathis Haley, que também atua no campo do Direito Empresarial, atendendo organizações de Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, abre espaço, em sua concorrida agenda, para conceder esta entrevista especial à Revista Notícia.  Em uma conversa franca, ele discorre, com propriedade, sobre temas essenciais que vão desde a importância de uma formação ampla do advogado para além do Direito, passando por sua percepção sobre a psicologia humana, conhecimentos de filosofia e artes até o papel constitucional do advogado. Ressaltando que a missão essencial do advogado, em qualquer que seja sua área de atuação, deve ser a defesa permanente do “princípio do devido processo legal”, previsto pelo artigo 5º, da Constituição Federal, assegurados o contraditório e a ampla defesa”. Dr. Mathis Haley está entre os mais destacados e bem sucedidos defensores da atualidade no Tribunal do Júri, no Estado de Mato Grosso. Falando com eloquência sobre sua experiência e do seu comprometimento com a profissão, declara que “advocacia é paixão pura” e o aprendizado é permanente em cada caso, em cada ação em que atua. A seguir, leia os principais momentos da entrevista com Dr. Mathis Haley.

Revista Notícia: O Brasil atravessa um momento de muitos questionamentos com a polarização da população em relação à política. Isso vem levando a muitos confrontos na esfera da Justiça. Com tudo isso, por que a profissão do advogado é cada vez mais essencial?

Dr. Mathis Haley: Constitucionalmente a profissão do advogado e o advogado são vistos como essenciais para a administração da Justiça. Mas, há algo muito mais profundo do que isso, que se revela na prática. Quando o indivíduo tem qualquer de seus direitos cerceado, ou qualquer bem jurídico ameaçado – entenda-se por bem jurídico desde uma questão patrimonial até mesmo a vida ou a liberdade, que é algo intrínseco à própria existência humana – ele se socorre de um advogado, que é a única pessoa que pode lhe dar voz. Nessa condição, ele precisa de alguém que fale por si, utilizando-se dos instrumentos adequados para buscar a defesa de seu direito ou o restabelecimento de um direito que foi perdido, quando se trata de algo que possa ser recuperado. No aspecto criminal, que é o que tem maior relevância para o indivíduo que está privado de sua liberdade e está ali submisso ao Estado, não há outra forma de apresentar sua versão sobre os fatos e se justificar para buscar a liberdade, a não ser, através do advogado. E quanto ao contexto atual do país, vivemos realmente tempos estranhos. Estamos vendo serem mitigados conceitos e posições doutrinárias, já consagradas, que estão sendo revistas. Aparentemente, pela minha visão, para atender interesses não tão legítimos, isto é, que não são interesses da sociedade.
Revista Notícia: Isso pode significar que estamos vivendo um momento em que o Direito está sendo interpretado dentro da visão de grupos específicos, perdendo a universalidade do Direito?
Dr. Mathis Haley: Hoje você vê magistrados, juízes que são doutrinadores, são jurisconsultos, pessoas com livros publicados que, ao longo de toda trajetória acadêmica, adotaram determinada postura, uma determinada linha de interpretação e, de uma hora para outra, apresentam uma determinada decisão que vai de encontro àquilo que pregaram a vida toda. Isto é, tomam uma decisão, rasgam aquilo que escreveram e mudam de ideia. É muito difícil, depois de escrever quatro, cinco, seis livros, dezenas de artigos científicos trazendo uma determinada posição doutrinária, você resolver mudar tudo ou simplesmente afirmar “eu penso de forma diferente” ou convencer a comunidade jurídica. Isso faz com que o poder judiciário caia em descrédito e acaba por dificultar a posição do advogado que, por mais que produza um pedido de tese bem embasado, sempre corre o risco de esbarrar em um interesse pessoal.

Revista Notícia: Na sua opinião, isso faz com que o advogado seja mais do que um operador do Direito para ser um pensador, alguém que precisa se aprofundar cada vez mais na natureza das leis para poder acompanhar essas mudanças?
Dr. Mathis Haley: Eu nem gosto desse termo “operador do Direito”. Porque, veja, a pessoa do advogado, o seu lado pessoal, com todas as suas vivências, experiências e todo seu conhecimento multidisciplinar, é inseparável da figura do advogado, do causídico propriamente dito. Quando o indivíduo contrata um advogado, ele não está contratando somente o seu conhecimento acadêmico especializado que é uma obrigação do profissional. Ele está contratando o indivíduo em todas as suas faces.

Revista Notícia: Aí é que entra o psicólogo, o orientador, o apoio emocional...
Dr. Mathis Haley: Sim, o psicólogo, tudo isso! O poeta, o artista. Veja... escrever é pura inspiração! Escrever é sempre uma arte. A pessoa quando contrata um advogado, ela contrata naturalmente o seu conhecimento jurídico, que envolve ser um profundo conhecedor da área de atuação, de todas as fontes do Direito, seja doutrina, jurisprudência, as leis e os costumes. Além disso, tem um diferencial, que é o conceito que está bem arraigado nessa visão, que é a advocacia artesanal. É isso que eu ofereço aos meus clientes. O cliente contrata o poeta, o artista, todo o conhecimento multidisciplinar que está ali naquele indivíduo. O que tem a ver com uma estratégia de defesa. Isso vai muito além de uma estratégia processual propriamente dita.
Revista Notícia: Achei muito interessante a expressão “advocacia artesanal”. O senhor pode falar mais sobre esse conceito?


Dr. Mathis Haley:Sim, é a diferença daquilo que se pratica no mercado. Eu defino “advocacia artesanal” como a uma roupa feita por um alfaiate, sob medida, algo exclusivo que leva em consideração cada contorno, cada detalhe para se amoldar com perfeição ao corpo, no caso, para se amoldar com perfeição à causa e ao cliente. Então não existe essa coisa de modelo. Eu não aprovo o que muitas vezes acontece. Apenas como um exemplo hipotético: ocorre quando o cliente contrata um grande nome, por exemplo, um Ivo Pitanguy para fazer uma cirurgia plástica, mas quem opera ele é um profissional da equipe. Ou ele contrata um advogado que tem renome, que é um exímio orador, que é um indivíduo corajoso para fazer sua defesa, e quem está escrevendo é um acadêmico do sexto semestre do curso superior de Direito. Pode ser até mesmo um advogado especialista, com OAB, mas que não é aquele quem ele contratou. Em síntese, contrata um profissional e acaba sendo atendido por outro. Eu dei esses exemplos para afirmar que: advocacia é resultado, advocacia que não traz resultados não é uma boa advocacia!

Revista Notícia: Hoje um dos temas mais comentados em todo o mundo é sobre os avanços da Inteligência Artificial. Uma das hipóteses é que muitas profissões irão desaparecer em razão dos robôs que irão atuar em diversos campos do conhecimento. Quando o senhor fala sobre “advocacia artesanal” levando em conta as particularidades de cada cliente, seu contexto e a natureza da causa, isso parece que não se aplica ao Direito. Por quê? 

Dr. Mathis Haley: No meu entendimento, a tecnologia de Inteligência Artificial, novos softwares que possam auxiliar nas tarefas profissionais, isso tudo eu considero muito válido como ferramenta auxiliar. Mas, em uma defesa, lhe digo com segurança, que 10 por cento dela é o conhecimento jurídico, que tem que ser perfeito. O profissional tem que ter todo o conhecimento jurídico e todo esse conhecimento jurídico sobre aquela causa, sobre aquela área de atuação, significa 10 por cento da defesa, reafirmo. Os outros 90 por cento são estratégia, isso a inteligência artificial não tem capacidade para desenvolver! Erros que eu vejo sendo cometidos, não só por novos advogados, mas por advogados muito experimentados, alguns cansados inclusive é a falta de uma estratégia personalizada ao caso concreto.

Revista Notícia:O senhor pode exemplificar os erros mais comuns de estratégia que são cometidos por advogados?
Dr. Mathis Haley: Por exemplo, apresentar o indivíduo (cliente) na delegacia, simplesmente o conduzindo até a delegacia. Se for para fazer dessa forma, não é necessário um advogado! É quando ocorre o vexame de o cliente ser apresentado ao delegado e o cliente ser preso na presença do advogado. Não houve uma checagem, não houve uma sondagem. Não se buscou ficar sabendo o que está acontecendo na delegacia. Aí é uma questão de astúcia. Eu tenho vários clientes que foram apresentados enquanto o delegado estava redigindo o pedido de prisão. Foram apresentados antes de protocolar o pedido, estão soltos, respondendo a processos em liberdade. Não causaram nenhum embaraço à Justiça. Não causaram nenhum obstáculo ao bom andamento processual. Não fugiram e estão cumprindo perfeitamente tudo o que foi determinado. Ou seja, não havia necessidade de prisão. 

Revista Notícia: Por que atualmente existe um clamor para que seja feita prisão cautelar mesmo em casos que não há necessidade?
Dr. Mathis Haley: Acredito que um fator importante seja o fato de que, atualmente, as pessoas estão cansadas de serem lesadas, roubo, furto, homicídio, corrupção e, por isso, acabam tendo uma postura punitivista, que é um equívoco A Justiça só é Justiça quando ela vem na medida certa. Essa situação de prender cautelarmente como remédio, esse abuso, a banalização das prisões cautelares que acontece no Brasil, não resolve absolutamente nada. Existem medidas cautelares adequadas e proporcionais que devem ser analisadas e adotadas a menos que realmente a prisão seja imprescindível. Mas o que nós vemos é um esforço para se prender a qualquer custo como forma de ceder ao apelo midiático, a satisfazer os ímpetos sádicos, muitas vezes, da própria sociedade ou até da autoridade policial ou outra autoridade. A segregação é vista muitas vezes como um remédio e isso não é inteligente. 

Revista Notícia: O senhor pode nos dar um exemplo do que ocorre nessa questão sobre a banalização da prisão cautelar?
Dr. Mathis Haley: Por exemplo, veja o caso dos jovens envolvidos com o tráfico de drogas, uma situação que acontece em todo o país. Esses jovens são como zumbis do crime, mesmo sabendo das penas para os crimes e que nos confrontos com a polícia vão morrer. Mesmo assim, seguem cumprindo ordens para cometer crimes, roubos, matar aqueles de outras facções criminosas. Imagino que a solução desse problema passa, de forma inevitável, pelo entendimento do problema, pela identificação dos motivos. O que está sendo oferecido para esses jovens?  De uma coisa eu tenho certeza: estão sendo enganados. Porque aquilo que lhes é apresentado como uma vida fácil, não tem nada de fácil. Vida fácil é acordar cedo, trabalhar, ganhar o seu dinheiro honestamente, dormir com a consciência tranquila de que não está sendo ameaçado e de que aquilo que está sendo construído é fruto de trabalho lícito. Ter orgulho de si, orgulhar os amigos, a família. Isso é uma vida fácil! Então há aí alguns fatores que merecem serem alvos de estudos e que podem fazer toda diferença na solução. Quer dizer, apresentar um caminho melhor, mas que seja compreendido, porque às vezes, o que está acontecendo é que quem está dando atenção e ouvidos a esse pessoal é gente que conta uma mentira para manter os jovens no crime. Aí está o fator preponderante.
Revista Notícia: Descriminalizar as drogas seria uma solução, já que grande parte da população carcerária é de jovens envolvidos com o tráfico de drogas?
Dr. Mathis Haley: Eu não sou favorável, eu sou contra a descriminalização das drogas porque entendo que há outras conseqüências perniciosas nisso. Eu não acho que um jovem que usa droga vai ter um bom desenvolvimento no trabalho, nos estudos. Acho que essa é uma questão bastante delicada. Se existe um controle de drogas menos lesivas como o álcool e o cigarro, nesse contexto não se justifica a liberação de drogas mais pesadas. Em contrapartida, a Justiça sempre passa pelo crivo da proporcionalidade e da adequação. Para haver Justiça tem que haver a medida certa e, acima de tudo, honestidade por parte do Estado. O que nós vemos, em centenas de casos, é que o indivíduo é apanhado com uma porção de maconha, por exemplo. É usuário. É preso pela polícia e aquela porção de entorpecente é fracionada em vinte pedaços, em porções pequenas, para que seja feito o “arredondamento do flagrante”. Pega-se aquela situação real, que é o usuário portando para o consumo uma pequena porção de entorpecente, se fraciona aquilo para trajar o caso sob as vestes do tráfico, o que não é verdade. O que é isso? É a vontade particular do agente de submeter aquele indivíduo a uma punição que não existiria caso a verdade constasse. Se falar a verdade, num caso desses, apanhado com 40 ou 50 gramas de maconha, o juiz vai aplicar uma advertência, vai lá para o Juizado Especial Criminal, vai assistir a uma palestra. Da forma como se faz, parece que não existem usuários, só existem traficantes. As pessoas começam a perceber que não existe uma lógica. Todos nós somos dotados de neurônios, temos inteligência. Então, essas questões não resistem a uma análise lógica.
Revista Notícia: De que forma a sua formação no campo da arte e  experiência como comunicador e jornalista, influência sua atuação como advogado?

Dr. Mathis Haley: Todo ser humano é naturalmente sensível, desde que os gatilhos da sensibilidade do interlocutor sejam acionados de forma correta. Não estou falando de manipulação, mas de falar e ser compreendido. Eu não consigo atingir um objetivo, desiderato, sem que eu consiga entender o outro, aquilo que está funcionando no meu interlocutor. Se eu tenho que adotar uma postura diferente, é uma questão de sensibilidade minha. Eu estudo muito, por exemplo, taxonomia facial. Eu costumo dizer que ninguém fala mais do que jurado que não pode se manifestar verbalmente. Até o cadáver conta a história. Em um caso como assistente de acusação, tínhamos o cadáver de uma mulher, com a maquiagem borrada por lágrima vertida, em seus últimos instantes, quando ela percebeu, ainda consciente, que a pessoa a quem devotou seu amor, estava a ceifar sua vida. 

Revista Notícia: O Tribunal do Júri é uma paixão para o senhor? Existem aqueles que são talhados para atuar no Tribunal do Júri?
DR. Mathis Haley: Tenho uma frase que costumo usar muito: “A Advocacia Criminal é solo sagrado que não se permite pisar por inábeis e covardes”. Em primeiro lugar, a habilidade. Em segundo lugar, a coragem com todos os riscos que nós passamos, nesse embate, com pessoas que muitas vezes sob o pretexto de fazer cumprir a lei, violam-nas. O Tribunal do Júri, com certeza, é o ápice da advocacia. Ali o Direito vibra, pulsa, transpira. E quem não tem condições de entregar uma defesa plena, que aliás é um princípio, se o tribuno não logra condições de oferecer isso ao seu cliente, para si, para a classe, para a sociedade, para o poder judiciário, deve afastar-se da tribuna e não fazer uso dela, e então preparar-se, e só retornar quando tiver condição de entregar aquilo que vendeu.


Revista Notícia: Na sua opinião, qual é a imagem que as pessoas de modo geral têm a respeito do advogado criminalista?

R. Mathis Haley: Considero muito importante comentar que existe uma visão muito equivocada sobre o advogado criminalista que é gerada pela falta de conhecimento, pela ignorância. Como advogado criminalista, eu não defendo o indivíduo e nem defendo como correta a atitude que está sendo imputada ao indivíduo. Isto é, nem defendo ele e nem a conduta por ele perpetrada. Eu defendo direitos. Direito de ser, inclusive, acusado na medida certa. Nem sempre o advogado busca a absolvição. Busca a absolvição quando ela se impõe por critério de Justiça. Existem circunstâncias em que o juiz deve absolver o réu, mas quando não, quando não for esse o caso, que seja lhe aplicada a punição correta. Agora, se os autos dizem a verdade, se o ministério público faz uma acusação justa, se não há um abuso do poder acusatório, e o juiz faz a dosimetria correta atendendo a proporcionalidade e a adequação, está tudo ok. O papel do advogado é cuidar para que não haja um abuso, violação de direitos, para que não transborde a punição para a injustiça. Nós, muitas vezes, precisamos ficar batendo de frente com a polícia, principalmente se a situação for complicada, nem todos os policiais são bons, em todo lugar há gente de toda espécie. Há a necessidade de ter coragem. Mas é muito errada essa visão que as pessoas têm do advogado criminalista.


Revista Notícia: Há pessoas que acreditam que o advogado precisa mentir para defender o réu? O que o senhor pode comentar sobre isso?
Dr. Mathis Haley: Na minha opinião, é um grande equívoco dizer que “advogado mente muito”. Eu vou lhe dizer uma coisa: o advogado que mente num processo é um idiota.
Vou explicar o por quê. Existem dois tipos de verdade. Ah, mas a verdade é uma só! Não, há duas verdades. Tem a verdade real, que é o que aconteceu de fato, e a verdade processual, que é aquela que está contida nos autos. Se eu for usar na minha defesa a verdade real, que não está nos autos, eu não vou prosperar na minha defesa, porque não vou conseguir prová-la. Então se eu quero que a verdade real prospere, eu tenho que trazê-la para os autos. A minha matéria-prima é aquilo que está no processo. É a verdade processual. Se a verdade processual não traz provas para inocentar, e o cliente é inocente, eu tenho que trazer para dentro dos autos as provas para que eu possa pleitear uma absolvição. De tal forma, se o indivíduo é culpado, mas não tem provas nos autos, o arcabouço probatório não é suficiente para lastrear uma condenação, em que pese seja culpado, não obstante, será absolvido. Ou seja, não tem como absolver um inocente, se a verdade processual não aponta para a inocência. Da mesma forma, não há como condenar um culpado, se não é essa a verdade que surge dos autos. Direito é filosofia pura.

 

Fonte: Revista Notícia

Autor: Waurides Bervilheri Jr

Texto/Fonte: Reprodução - Waurides Bervilheri Jr