Foto: Arquivo Pessoal
Thursday, 16 de October de 2025 - 14:03:09
Homem descobre câncer após transplante de fígado e exame indica que tumor veio do órgão doado
???? TRANSPLANTE COM CÉLULAS CANCERÍGENAS

Um caso raro e devastador ocorreu em São Paulo: o aposentado Geraldo Vaz Junior, diagnosticado com hepatite C em 2010 e cirrose hepática em decorrência da doença, descobriu ter desenvolvido câncer após receber um fígado transplantado com células tumorais. A biópsia e um exame genético confirmaram que o adenocarcinoma encontrado no órgão não pertencia a ele, mas ao doador.

O transplante foi realizado em julho de 2023, no âmbito do Programa Proadi-SUS, que conecta hospitais de referência a pacientes do Sistema Único de Saúde. A cirurgia correu bem, mas sete meses depois, exames revelaram nódulos suspeitos. “Foi devastador. Meu marido recebeu um órgão com câncer. Esperamos por anos para viver um sonho, mas ele saiu de lá mais doente”, relatou Maria Helena Vaz, esposa do paciente.

Após a confirmação do tumor, Geraldo recebeu um novo fígado, mas a doença já havia se espalhado para o pulmão. Hoje, segundo a família, ele é um paciente paliativo. O Hospital Israelita Albert Einstein, responsável pelo transplante, ainda não se pronunciou sobre o caso.

???? O que dizem os protocolos médicos
De acordo com o Manual dos Transplantes (2022), do Ministério da Saúde, pessoas com câncer não podem ser doadoras. Antes da captação, são realizados exames clínicos, laboratoriais e de imagem para descartar doenças transmissíveis, como HIV, hepatites e neoplasias. Caso exista suspeita de tumor, o órgão é automaticamente descartado. Ainda assim, o documento ressalta que nenhum método é capaz de eliminar completamente o risco, já que células malignas microscópicas podem passar despercebidas.

???? Risco biológico reconhecido, mas quase impossível de prever
Especialistas consultados pelo g1 afirmam que o caso é biologicamente plausível, mas extremamente raro. O oncologista Stephen Stefani, do Grupo Oncoclínicas, explicou que tumores microscópicos podem existir sem aparecer em exames de imagem. “É algo reconhecido pela medicina, mas tão incomum que vira relato científico”, afirmou.

Segundo ele, não há falha técnica evidente, mas um limite da própria ciência: “Os protocolos são seguros, mas o risco zero não existe. A imunossupressão após o transplante reduz a vigilância do sistema imunológico e pode permitir que células doentes cresçam.”

O cirurgião Pedro Luiz Bertevello, da Beneficência Portuguesa, reforça que a situação é uma fatalidade médica. “Nem mesmo o PET-CT é capaz de garantir que não exista uma célula mutada. É uma tragédia clínica, não um erro médico”, afirmou.

???? ‘Raríssimo, mas faz parte do risco do transplante’
Para Rafael Pinheiro, cirurgião transplantador do Sistema Nacional de Transplantes, o caso é um exemplo extremo de um risco inerente ao próprio ato de receber um órgão humano. “Mesmo com triagens detalhadas, pode haver uma célula tão inicial que nenhum exame consegue detectar”, explicou.

Ele ressaltou que uma varredura completa em todos os doadores seria inviável, já que o tempo útil de um órgão para transplante é curto. “Se fosse obrigatório fazer colonoscopia, ressonância e tomografia de corpo inteiro em todos os casos, o sistema de doação deixaria de funcionar”, disse.

???? Risco estimado: menos de 0,03%
Um estudo publicado no World Journal of Gastroenterology analisou mais de 30 mil transplantes no Reino Unido e identificou apenas 15 casos de câncer transmitido por doadores, sendo dois em fígados. A pesquisa aponta que o risco é “extraordinariamente baixo, mas não nulo”.

Os autores destacam ainda que restringir demais a aceitação de órgãos pode aumentar a mortalidade de quem aguarda na fila de transplantes, tornando necessária uma avaliação equilibrada entre segurança e urgência médica.

O Ministério da Saúde foi procurado pelo g1, mas não respondeu até a publicação da reportagem.

Texto/Fonte: G1