O ministro Luiz Fux apresentou seu voto no julgamento sobre a trama golpista, propondo a absolvição de Jair Bolsonaro. Para Fux, os atos cometidos durante o processo eleitoral e a chamada “operação Punhal Verde e Amarelo” formariam o corpo de uma metáfora que ele chamou de “girafa”, enquanto o ataque de 8 de janeiro de 2023 seria a cabeça, separada do restante por um longo pescoço. Ao discutir a tipicidade, ou seja, o alinhamento entre fato e crime previsto em lei, Fux citou a metáfora do jurista Evaristo de Moraes: o fato deve encaixar-se na lei como uma mão encaixa em uma luva.
Em seu voto, Fux argumentou que o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito absorve o crime de tentativa de golpe de estado. Ele explicou que, na lei penal, alguns crimes estão contidos em outros, e a avaliação deve focar no crime principal. Com isso, os atos atribuídos à tentativa de golpe seriam considerados parte da tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, impactando diretamente na definição de penas, que variariam de quatro a doze anos se ambos os crimes fossem considerados separadamente.
O ministro destacou a necessidade de análise individualizada dos réus. Com base nos autos, condenou Braga Netto e Mauro Cid, mas não os demais, argumentando que suas participações não ultrapassaram atos preparatórios. Segundo Fux, o conceito de responsabilidade “solidária” é do direito civil, enquanto no direito penal prevalece a responsabilidade individual proporcional à culpa de cada um. Sobre Alexandre Ramagem, votou pela suspensão da ação penal em função da decisão da Câmara dos Deputados, que aprovou a medida por 315 votos a 143, beneficiando o parlamentar em exercício.
Fux também abordou aspectos históricos do direito penal e da teoria do delito. Citou Cesare Beccaria, que no século XVIII lançou princípios ainda influentes, e autores posteriores como Paul Johann Anselm Ritter von Feuerbach e Karl Binding, que contribuíram para o conceito de “bem jurídico”. O bem jurídico protegido nos crimes de tentativa de golpe ou de abolição violenta do Estado Democrático de Direito é justamente o Estado Democrático de Direito.
Ainda no voto, Fux mencionou a corrente finalista, introduzida por Hans Welzel na década de 1930, que orienta a análise da ação humana pelos objetivos do agente. Destacou também contribuições de Claus Roxin, Jesús-María Silva Sánchez e do brasileiro Nelson Hungria. O ministro enfatizou a importância de considerar a intenção do agente, principalmente em crimes tentados, para a correta aplicação da pena.
Quanto à duração do julgamento, Fux observou que votos longos não são incomuns no direito. Ele citou exemplos históricos, como a Ação Penal 470 (mensalão) e julgamentos do Tribunal do Júri, para mostrar que processos complexos podem levar dias ou semanas, dependendo da dificuldade de isolamento de jurados e da análise detalhada das provas.
Ao longo do julgamento, o g1 contará com o auxílio dos juristas Pedro Kenne e Thiago Bottino para esclarecer termos técnicos, divergências entre ministros e os pontos mais relevantes das manifestações. Pedro Kenne é procurador da República, mestre e doutorando em Direito Penal pela UFRGS e especialista em Direito Público pela ESMPU.