A rotina de Letícia, de 15 anos, é marcada por lembranças de guerra. Moradora do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ela cresceu entre tiroteios, sirenes e mortes. “As respostas também eram uma surpresa para mim, enquanto mãe. E dava tristeza, porque a Letícia ainda não sabe o que é paz”, desabafa Camila, sua mãe. “Já se passaram oito anos, e ela ainda não sabe o que é paz.”
O impacto psicológico da violência é algo que Camila conhece desde a infância. “A primeira vez que eu vi um corpo eu tinha oito anos de idade. Eu não sou capaz de mensurar quantos conflitos presenciei”, conta. A transmissão do trauma entre gerações é uma das marcas mais profundas da vida em territórios controlados por facções e milícias.
Segundo a psicóloga Rebeca Sinna, especialista em moradores de áreas de conflito, quem vive nessas regiões sofre com estresse crônico e transtornos emocionais severos. “Entre os principais sintomas estão ansiedade, depressão e o transtorno de estresse pós-traumático, que nesta semana atingiu muitos moradores”, afirma.
Os dados da Secretaria Municipal de Saúde do Rio confirmam o cenário: os atendimentos de saúde mental em emergências aumentaram 24% em um ano. Casos de síndrome do pânico, crises de ansiedade, transtornos de humor e surtos psicóticos cresceram especialmente em bairros sob domínio de traficantes e milicianos.
A violência também afeta quem combate o crime. O serviço psicológico da Polícia Militar informou que o número de atendimentos a policiais com transtornos mentais quase dobrou desde o ano passado.
Outra moradora do Alemão, que preferiu não se identificar, deixou a comunidade após sofrer um AVC causado pelo estresse. “A casa que eu morava tinha três meses. Eu fui trabalhar e tive um AVC no meu trabalho. Todo dia você chega, passa pelo meio deles, e sente medo. O tiroteio é de repente. Só quem vive sabe o que é isso”, relatou.
Para a psicóloga Rebeca Sinna, a permanência nesses territórios impede qualquer recuperação emocional. “Não existe tempo para a cura. Quem vive ali será sempre afetado. Não há remédio senão a paz que precisamos oferecer como resposta a essa sociedade”, conclui.
A história de Letícia e Camila foi contada pelo Fantástico, que também discute o tema no podcast “Isso É Fantástico”, disponível no g1 e nos principais tocadores, com reportagens que exploram as consequências humanas da violência urbana.