Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, um mutirão conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revisou 29.725 processos julgados nos últimos oito anos. Desses, 3.676 condenações — o equivalente a 12,4% do total — foram revertidas.
O balanço mostra que, além das absolvições, houve a manutenção de condenações em 16.327 casos, o que representa 54,9% dos processos analisados. Outros 7.434 seguem em fase de manifestação da defesa e do Ministério Público, podendo resultar em novas revisões. Há ainda 2.151 processos pendentes da análise do juiz, também sujeitos a absolvições.
Entre as condenações revertidas existem dois cenários distintos: pessoas antes consideradas usuárias de maconha, que agora foram absolvidas porque essa condição deixou de ser crime; e réus que haviam sido condenados como traficantes apesar de portarem quantidades pequenas da droga. Nessas situações, quando não havia outros indícios de comércio, as condutas foram reclassificadas como uso pessoal, levando à absolvição.
Os dados do CNJ não especificam quantas pessoas foram soltas ou como se distribuem os casos entre esses dois grupos. A decisão do STF determinou que quem for flagrado com até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas deve ser presumido usuário, salvo se forem encontradas evidências de tráfico, como balança de precisão, anotações ou dinheiro vivo.
O defensor público de São Paulo Filipe Dias Rodrigues reforça que as revisões não beneficiam integrantes de facções criminosas. Segundo ele, os casos envolvem pessoas de “baixíssimo potencial lesivo”, que não representariam risco à sociedade e não deveriam permanecer presas. Para Rodrigues, evitar que usuários sejam confundidos com traficantes é uma medida de segurança pública, já que o ingresso no sistema prisional pode aproximar indivíduos sem histórico criminal de organizações criminosas.
O mutirão apontou que Santa Catarina lidera as reversões, com 1.560 casos, seguida por São Paulo (1.136) e Minas Gerais (485). Além das revisões relacionadas à maconha, o CNJ também analisou prisões preventivas de gestantes e mulheres responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência. A inclusão do tema neste ano foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes, que mencionou a resistência de tribunais estaduais em conceder prisão domiciliar nos casos previstos em lei — desde que não haja violência no crime investigado.
No total, foram revistos 6.948 processos envolvendo gestantes e mães, resultando na soltura de 2.226 mulheres, a maioria por liberdade provisória, com ou sem monitoramento eletrônico. Em 2.858 casos, porém, as prisões preventivas foram mantidas, principalmente por envolverem crimes praticados com violência ou grave ameaça.
Realizados desde 2008, os mutirões — atualmente inseridos no Plano Pena Justa — buscam enfrentar o “estado de coisas inconstitucional” reconhecido pelo STF no sistema prisional brasileiro, marcado por violações de direitos e superlotação.