Kleber Mendonça Filho reafirma sua posição entre os grandes nomes do cinema brasileiro em O Agente Secreto, produção que une humor, ironia e crítica social para revisitar o passado autoritário do país. O filme, estrelado por Wagner Moura, chega aos cinemas nesta quinta-feira (6) com status de evento cultural e simboliza um novo momento de prestígio internacional para o audiovisual brasileiro, após o sucesso de Ainda Estou Aqui, vencedor do primeiro Oscar do Brasil em março.
A trama começa nos anos 1970, quando o protagonista vivido por Moura retorna à cidade natal fugindo de um passado violento e de um regime opressor. A narrativa alterna suspense, drama político e realismo fantástico, transformando o que poderia ser um thriller previsível em uma reflexão sobre a normalidade em tempos de exceção. Entre as sequências mais originais, destaca-se a inserção da lenda urbana da “perna cabeluda”, filmada com ironia e desconforto típicos do diretor.
Mendonça Filho explora referências a obras anteriores, especialmente ao documentário Retratos Fantasmas (2023), evocando a nostalgia dos antigos cinemas de rua do Recife. O início do filme é descrito por críticos como um dos mais marcantes dos últimos anos, conduzindo o espectador por um percurso visual e emocional de rara coesão.
A interpretação de Wagner Moura é o eixo emocional da obra. Aos 49 anos, o ator encarna um homem dividido entre a dor e a necessidade de sobrevivência, transmitindo vulnerabilidade com poucos gestos. O elenco de apoio reforça o brilho do protagonista: Robério Diógenes dá vida a um delegado corrupto, Udo Kier interpreta um imigrante europeu exilado do fascismo, e Tânia Maria, a grande revelação do longa, entrega uma atuação comovente como figura materna de um grupo de refugiados. Sua presença é tão marcante que deixa a sensação de que merecia mais tempo em cena.
Visualmente, o filme impressiona com o uso de locações reais em Recife, como a Vila Santo Antônio, no bairro da Boa Vista, que contribui para o realismo das situações. Mendonça alterna momentos de tensão e lirismo, conduzindo o espectador por uma jornada que mistura o absurdo e o cotidiano.
No entanto, o desfecho divide opiniões. A mudança brusca de tom e linguagem rompe com a estrutura narrativa estabelecida e pode causar estranhamento. Ainda assim, o final sugere uma metáfora sobre a incapacidade do Brasil de encarar sua própria história recente. O vilão, construído de forma mais caricata, é um dos poucos pontos que destoam do refinamento geral da obra.
Com direção segura e um olhar autoral, O Agente Secreto desponta como um forte candidato ao Oscar de 2026 na categoria de Melhor Filme Internacional, ao lado de produções como o norueguês Valor Sentimental, o francês Foi Apenas um Acidente e o sul-coreano No Other Choice. Especialistas de Hollywood também destacam Wagner Moura como um dos possíveis indicados a Melhor Ator — a revista Hollywood Reporter chegou a apontá-lo como favorito.
Até março do próximo ano, quando a cerimônia acontece, muito ainda pode mudar. Mas o lançamento de O Agente Secreto confirma o vigor e a maturidade do cinema brasileiro contemporâneo — um cinema que, mesmo revisitando feridas antigas, encontra novas formas de emocionar e provocar.