Um dia após o mutirão que retirou 74 corpos da mata e os levou até a Praça São Lucas, no Complexo da Penha, a região vive um cenário de desolação. Escolas públicas permaneceram fechadas nesta quinta-feira (30), o comércio abriu de forma tímida e muitos mercados já enfrentam desabastecimento. Caminhões de carga evitam entrar na comunidade — um reflexo do medo, da tensão e, segundo moradores, também de um “luto” silencioso imposto pelo tráfico.
Desde o fim da operação, que deixou mais de 120 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, o som dos tiros cessou, mas o trauma permanece. “Eu moro aqui há 58 anos. Nunca vi isso. Vai ser difícil esquecer”, desabafou uma moradora. Outro comparou o cenário a uma tragédia natural: “Tá parecendo um tsunami, um terremoto. Corpo em cima de corpo.”
Parte da comunidade segue sem energia elétrica, e a Light tenta restabelecer o fornecimento. Pelo terceiro dia consecutivo, as escolas públicas não abriram as portas. Postos de saúde, no entanto, voltaram ao atendimento normal. Nem todas as linhas de ônibus retomaram o itinerário completo pela Penha, dificultando a mobilidade dos moradores.
O comércio local ensaia uma reabertura parcial. Alguns estabelecimentos voltaram a funcionar, mas muitos permanecem de portas fechadas, temendo novos confrontos. Em certos pontos, prateleiras já estão vazias.
Depoimentos colhidos na Vila Cruzeiro revelam o impacto da violência. “Na grande realidade, isso aqui é algo estarrecedor. Nunca vi isso na minha vida. O que a Vila Cruzeiro precisa é de educação”, disse um morador. Outros relataram cenas de corpos empilhados e ruas tomadas pelo silêncio, numa comunidade ainda sem presença policial permanente.
A megaoperação, realizada na terça-feira (28), é considerada a mais letal já registrada no estado. Segundo o governo, o objetivo era capturar líderes do Comando Vermelho que se escondiam na região. As autoridades afirmam que a estratégia, apelidada de “Muro do Bope”, visava encurralar os suspeitos e proteger moradores.
Ainda assim, a ação deixou um saldo de mais de 120 mortos e inúmeras perguntas sem resposta. Enquanto o secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, aponta que foram encontrados 63 corpos oficialmente identificados, moradores relatam números superiores a 70.
A discrepância entre os dados, as imagens de corpos levados por moradores e o silêncio das autoridades sobre as gravações das câmeras corporais mantêm viva a desconfiança em torno da operação — e alimentam o clima de luto e medo que domina a Penha.