Desde que o Brasil proibiu as barragens a montante após os desastres em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), mineradoras vêm adotando pilhas de rejeito como alternativa para armazenar resíduos. No entanto, especialistas alertam que essas estruturas, apesar de consideradas menos perigosas, operam sem regulamentação federal e sem fiscalização adequada, o que representa um risco crescente.
No início do ano, um deslizamento de pilha em Conceição do Pará (MG) atingiu sete casas e forçou a evacuação da área. Quatro meses depois, nenhum morador pôde retornar. O episódio é o quarto envolvendo pilhas desde 2018 e levanta preocupações sobre a segurança dessas estruturas.
Segundo o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais, hoje há mais pilhas do que barragens no país. Dados da Vale mostram que 70% dos rejeitos da mineradora estão empilhados a seco — em 2014, esse índice era de 40%. A Samarco, por sua vez, já empilha 80% do que produz.
As pilhas são montanhas de rejeito seco acumulado após a separação do minério útil. Embora tenham menor alcance em caso de colapso do que as barragens com lama, engenheiros destacam que estruturas acima de 200 metros de altura, como algumas licenciadas recentemente, são extremamente preocupantes, sobretudo diante da ausência de normas federais específicas.
“Hoje, a chance de uma pilha romper é maior que a de uma barragem”, afirma o engenheiro Júlio Grillo, ex-superintendente do Ibama em MG. Segundo ele, a falta de controle e transparência nos dados técnicos sobre as pilhas dificulta a análise de risco. “Em Conceição do Pará, a base da pilha não foi preparada adequadamente”, explica.
O empilhamento a seco ainda não conta com regulamentação federal. A Agência Nacional de Mineração (ANM) só incluiu o tema em sua agenda regulatória para 2025–2026. Atualmente, não há um cronograma de vistorias nem um banco de dados exclusivo sobre as pilhas. Enquanto isso, a fiscalização ocorre de forma genérica, dentro de outras ações de campo.
O Ministério Público Federal aponta que mineradoras estão optando pelas pilhas não apenas por segurança, mas também porque essa prática ainda não exige as mesmas obrigações legais que as barragens. “Sem exigência de sensores, sistemas de vídeo ou equipes de segurança, a opção por pilhas se torna vantajosa”, diz o procurador Carlos Bruno Ferreira.
Hoje, o país tem mais de 3 mil pilhas de rejeito, estéril ou mistas. Destas, 232 são apenas de rejeito — incluindo 41 da mineração de ferro, com pilhas mais altas, e de ouro, cujos resíduos incluem substâncias tóxicas como cianeto e arsênio.
A Jaguar Mining, responsável pela pilha que deslizou em Conceição do Pará, afirma que operava dentro dos parâmetros licenciados e que colabora com as investigações. A estrutura tinha 80 metros de altura e ocupava 16 hectares. O volume de rejeitos deslocado foi de 640 milhões de litros.
O engenheiro Euler Cruz, do Fórum São Francisco, alerta que o planejamento das pilhas ignora o aumento das chuvas devido às mudanças climáticas. “Os sistemas de drenagem são baseados em dados de 40 anos atrás. Não estão preparados para os volumes atuais”, diz.
A ausência de um marco legal também motiva a tramitação, desde novembro de 2024, de um projeto de lei na Câmara dos Deputados para criar regras específicas para essas estruturas. Enquanto isso, quatro incidentes já foram registrados em seis anos — incluindo dois no Maranhão, em 2018 e 2023, e um em Santa Bárbara (MG), em 2022.
Para evitar novos acidentes, especialistas defendem:
Fim da autodeclaração no licenciamento;
Exigência de preparo para eventos climáticos extremos;
Aplicação do princípio da precaução e transparência total nas análises de risco.
Embora mineradoras afirmem seguir normas internacionais, como as do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), essas diretrizes ainda são recomendações e não têm força de lei.