Foto: Reprodução Fantástico
Monday, 03 de November de 2025 - 10:47:48
Tráfico usa a Serra da Misericórdia como reduto estratégico no Rio, revelam áudios e vídeos obtidos pelo Fantástico
GEOGRAFIA DO CRIME

Novos registros de áudio e vídeo obtidos pelo Fantástico expõem a forma como o Comando Vermelho explora a geografia da Serra da Misericórdia, entre os complexos da Penha e do Alemão, para resistir a ações policiais e consolidar seu domínio na Zona Norte do Rio de Janeiro. As imagens foram gravadas durante a megaoperação de 28 de outubro, a mais letal da história fluminense, com 121 mortos, sendo quatro policiais.

De acordo com o ex-comandante da PM-RJ Ubiratan Angelo, o local confere uma vantagem estratégica conhecida como “comandamento”, pois a altitude permite aos criminosos monitorar a aproximação das tropas. Camuflados na mata, traficantes observam o avanço dos agentes e reagem com ataques de surpresa. “Quem está no alto tem o domínio visual da operação”, explicou o coronel.

Durante a ofensiva, bandidos zombaram da dificuldade dos blindados da polícia em subir o terreno acidentado. Em um dos vídeos, um deles grita: “Olha lá! O blindado não sobe, não, filhão.” Outro debocha: “Tá de castigo lá embaixo.” Para conter essa resistência, o Bope avançou pela serra enquanto outras equipes “empurravam os criminosos para a mata”, segundo o secretário da Polícia Civil, Felipe Curi.

Curi destacou que a serra abriga túneis, esconderijos e rotas de fuga que permitem aos traficantes se manterem ocultos por vários dias. Por isso, a área é constantemente alvo de operações que buscam enfraquecer a facção. O secretário de Segurança Pública, Victor Santos, afirmou que as principais lideranças do Comando Vermelho permanecem abrigadas na região, de onde coordenam a expansão do grupo para outros estados.

As investigações revelaram ainda que mais de 50 dos mortos eram traficantes vindos de outras regiões do país, como Norte, Centro-Oeste e Nordeste, evidenciando o caráter interestadual da facção.

A Serra da Misericórdia, batizada por jesuítas no século 19, abriga hoje cerca de um milhão de moradores e possui relevância histórica: dela saíram materiais usados na construção de vias importantes, como a Avenida Brasil. O historiador Rafael Mattoso questiona o legado de políticas de pacificação iniciadas há 15 anos: “Que projetos se consolidaram, de fato, com a presença do poder público?”.

Durante a operação, que mobilizou 2.500 agentes civis e militares, criminosos incendiaram veículos para bloquear o avanço policial. Mesmo sob intenso tiroteio, uma retroescavadeira da PM abriu passagem pela encosta — um movimento apelidado de ‘muro do Bope’.

Na manhã seguinte, a equipe do Fantástico encontrou barricadas, marcas de incêndio e cápsulas de munição espalhadas pelas ruas e pela mata, indícios da resistência enfrentada pelas forças de segurança.

O governo do Rio informou que todos os laudos periciais e relatórios da operação serão anexados ao processo, sob acompanhamento do Ministério Público.

O caso foi tema do podcast “Isso É Fantástico”, que abordou a dimensão histórica, tática e humana da operação — explorando como a geografia do Rio continua a ser usada como fortaleza do crime.

Texto/Fonte: G1