Nos últimos meses, operações militares americanas no Caribe e no Pacífico ganharam protagonismo por ataques a embarcações que, segundo os Estados Unidos, transportavam drogas. Em pouco mais de um mês, ao menos nove barcos foram destruídos em águas internacionais próximas à Colômbia, em ações que teriam causado a morte de mais de 30 pessoas. Autoridades americanas afirmam que as ações visam cortar o fluxo de entorpecentes rumo aos Estados Unidos; críticos e especialistas da ONU classificam alguns dos ataques como “execuções extrajudiciais”.
O presidente Donald Trump defendeu publicamente as ofensivas, afirmando que cada embarcação destruída “salva 25.000 vidas americanas” e, em outra declaração recente, chegou a dizer que as drogas estariam matando 300 mil pessoas por ano nos EUA — cifra contestada por dados oficiais. Em 2023, registros governamentais apontaram 105 mil mortes por overdose no país, das quais 69% envolveram fentanil.
Dados das agências americanas de combate às drogas indicam que praticamente todo o fentanil que chega aos EUA é produzido no México, em milhares de laboratórios clandestinos, embora as substâncias químicas usadas na síntese frequentemente tenham origem na China. Relatórios oficiais afirmam que a Venezuela participa de forma marginal, se é que participa, na produção e no contrabando do fentanil para os EUA. Ainda assim, Trump declarou sem apresentar provas que a China estaria enviando fentanil via Venezuela e anunciou tarifas punitivas relacionadas ao tema.
A escalada militar inclui o envio de navios de guerra, aeronaves, militares e até um submarino para a região, ações que o governo americano justificou como parte de uma operação contra o tráfico internacional. Em paralelo, a imprensa dos EUA tem divulgado a hipótese de que a movimentação tenha finalidade política e militar maior: uma manobra para pressionar ou derrubar o governo de Nicolás Maduro na Venezuela.
Relatos da imprensa americana indicam que o governo Trump avalia uma operação mais ampla que poderia ter como alvo estruturas ligadas a cartéis e até alvos no território venezuelano. Em setembro, o Departamento de Justiça ofereceu recompensa de US$ 50 milhões por informações que levem à prisão do presidente venezuelano; nas semanas seguintes, a Casa Branca autorizou o envio de forças à área costeira venezuelana.
Fontes jornalísticas reportaram também que a Agência Central de Inteligência (CIA) estaria envolvida em operações encobertas na Venezuela. Reportagens do The New York Times e do Washington Post afirmam que Trump autorizou ações secretas que incluem “operações letais” e pediu medidas “agressivas” contra o governo venezuelano — ações que, segundo documentos citados, não ordenam explicitamente uma retirada de Maduro, mas autorizam medidas que podem levar a esse desfecho.
O tom da retórica oficial tem sido beligerante. Trump chegou a dizer que “vamos apenas matar as pessoas que estão trazendo drogas para o nosso país”, e o secretário de Guerra Pete Hegseth afirmou que as Forças Armadas americanas irão “caçar e matar todos os ‘terroristas’ que traficam drogas”, equiparando cartéis a organizações terroristas estrangeiras. Essas declarações alimentaram críticas internas e externas sobre legalidade e proporcionalidade das ações.
Especialistas e organismos internacionais criticam a falta de alternativas não letais: as investidas militares, segundo alerta de independentes da ONU, têm usado força letal sem esgotar medidas para captura e responsabilização, o que configura possíveis execuções fora de processo judicial. O uso de ação militar para tratar um problema com fortes dimensões policiais e de saúde pública é apontado como arriscado e potencialmente contraproducente.
No plano doméstico, autoridades americanas defendem que a ofensiva é necessária para interromper a rota de fornecimento do fentanil; na prática, porém, relatórios internacionais — como o Relatório Mundial sobre Drogas de 2025 — mostram que o consumo de entorpecentes cresceu ligeiramente nos EUA nos últimos anos principalmente por conta do fentanil, cuja cadeia de produção e tráfico está mais enraizada no México do que na Venezuela.
Outras drogas mais consumidas nos Estados Unidos, como cannabis e cocaína, têm origens e dinâmicas distintas: a cannabis é consumida em larga escala e, em muitos estados, tem uso recreativo legalizado, enquanto a cocaína é proveniente majoritariamente da Colômbia, Bolívia e Peru. Esses fatores reforçam a complexidade do problema e a limitação de respostas exclusivamente militares.
A combinação de ataques militares em alto mar, acusações sem provas contra Caracas, ameaças tarifárias e operações encobertas cria um cenário regional tenso. Analistas alertam para o risco de escalada política e humanitária na América do Sul caso Washington mantenha a estratégia atual sem coordenação multilateral e sem priorizar investigações e ações policiais tradicionais.
Enquanto isso, famílias das vítimas e grupos de direitos humanos pedem investigação das mortes em alto mar e responsabilização por possíveis excessos. Para muitos observadores, a crise evidencia que o combate ao fentanil demanda políticas transnacionais complexas, que misturam controle de fronteiras, cooperação internacional, medidas de saúde pública e ações judiciais — não apenas operações militares.