O conceito de café da manhã, como conhecemos hoje, só surgiu no final do século 19 e início do século 20, explica Murilo Amaral, formado em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Na época, a economia brasileira era fortemente baseada na exportação do café, e o termo passou a designar o momento em que a bebida era consumida, substituindo o antigo “almoço” matinal. Consequentemente, a ordem das refeições mudou: o almoço moderno passou a ocupar o horário do antigo jantar, a merenda deu lugar ao café da tarde e a ceia perdeu seu horário fixo.
No século 19, as refeições recebiam nomes diferentes dos que usamos atualmente. Almoço correspondia à primeira refeição do dia; jantar era feito ao final da manhã ou início da tarde; merenda, uma refeição intermediária entre o jantar e a ceia; e a ceia ocorria no final da tarde ou início da noite. Essa lógica é visível na literatura da época, como no trecho do livro Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis: “— Um Cubas! repetia-me ele na seguinte manhã, ao almoço.” Hoje, essa referência pode confundir leitores que interpretam o almoço como a refeição do meio-dia.
Daniel Bravo, coordenador de linguagens do Cubo Global School, confirma a explicação de Murilo e acrescenta que a etimologia reforça a mudança de sentido: “A palavra 'almoço' vem do galego-português almorço, ligado ao latim admordēre, que significa 'começar a morder'. Essencialmente, o almoço era a 'primeira mordida do dia', nosso atual desjejum. Em Portugal, o café da manhã ainda é chamado de 'pequeno-almoço'.”
O uso do termo “almoço” é frequente nas obras de Machado de Assis e em outros textos do século 19, quase sempre referindo-se à refeição matinal. Murilove observa: “Se você lê um livro de Machado de Assis e os personagens estão almoçando, na verdade, eles estão tomando o café da manhã. Isso pode causar estranhamento ao leitor moderno, porque parece que acordaram cedo e já estão almoçando.” Um exemplo é o conto Um almoço, em que a narrativa se passa de manhã e descreve um personagem desfrutando da primeira refeição do dia com satisfação e contato com a natureza.
Mudanças de sentido como essas mostram que a língua é viva e está sempre evoluindo, permitindo que novas palavras e usos surjam. Para o café da manhã moderno, Daniel Bravo sugere que o verbo mais adequado seria “desjejuar”, pouco usado, mas que descreve perfeitamente a prática de quebrar o jejum matinal.
O vídeo com essa explicação, publicado por Murilove, já ultrapassou 1,3 milhão de visualizações, mostrando o interesse do público em compreender a história das nossas refeições e a evolução da língua portuguesa.