Diante das recentes tensões diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro sugeriram que o governo americano poderia intensificar sanções ao país, incluindo até a suspensão do acesso ao sistema de geolocalização por satélite GPS. A possibilidade foi levantada após o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciar a revogação do visto do ministro do STF Alexandre de Moraes, sob a justificativa de “caça às bruxas” contra Bolsonaro.
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, bolsonaristas afirmam que membros do Departamento de Estado indicaram que essa retaliação seria apenas o começo. Entre as ações ventiladas estariam o aumento de tarifas de importação sobre produtos brasileiros, a imposição de sanções conjuntas com a Otan e até a interrupção do sinal de GPS no território nacional. Diante da polêmica, a BBC News Brasil ouviu especialistas para avaliar a viabilidade técnica e política dessa medida.
De acordo com o engenheiro Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, o bloqueio de GPS em um único país é tecnicamente improvável. “Os satélites transmitem sinal continuamente para todo o planeta. Seria como tentar bloquear TV aberta em uma casa: você precisaria de um código ou filtro embutido no receptor”, explicou. Segundo ele, os sinais do GPS são unidirecionais e alcançam qualquer receptor que esteja em área de cobertura, dificultando a restrição regional.
Tude destacou que alterar a forma de transmissão exigiria mudanças profundas no sistema, o que é praticamente inviável a curto prazo e ainda causaria impacto em países vizinhos e até nos próprios EUA. “Se isso acontecesse, seria uma medida drástica e sem precedentes. E eu não acredito que o governo Trump esteja realmente cogitando isso”, afirmou.
Contudo, há formas de interferência pontual, como o jamming, técnica de emissão de sinais na mesma frequência para bloquear a recepção. Esse método já foi utilizado em zonas de conflito, como na guerra da Ucrânia, quando a Rússia usou sistemas de guerra eletrônica para neutralizar mísseis e drones. Outro recurso, o spoofing, engana receptores com sinais falsos, causando erros de localização.
A engenheira mecânica Luísa Santos, especialista em Indústria e Sistemas Aerospaciais pela Universidade de Buenos Aires, reforça que os EUA possuem capacidade para restringir ou degradar o sinal civil, mas avalia que seria improvável por razões diplomáticas. “Embora o sinal seja gratuito, pago por impostos americanos, existe a opção de negar acesso em situações extremas. Mas isso afetaria não só o Brasil, como toda a cadeia global de sistemas interligados”, afirma.
Hoje, o GPS conta com 31 satélites em funcionamento, operando em seis planos orbitais para garantir que, em qualquer ponto da Terra, pelo menos quatro estejam visíveis ao receptor. A precisão do sistema, que começou a operar plenamente em 1995, depende de sinais emitidos com horário exato por relógios atômicos instalados nos satélites. Esses sinais, ao serem captados, permitem a triangulação da posição com altíssimo grau de exatidão.
Luísa também ressalta que, embora os militares dos EUA mantenham acesso a um sinal criptografado, a versão civil é amplamente utilizada por civis e países ao redor do mundo. “Caso o GPS fosse desligado para civis, haveria grande impacto nos setores de logística, aviação, finanças e telecomunicações, que dependem do sistema para sincronização de dados e transações”, explica.
Nesse cenário, outros sistemas de navegação por satélite ganham destaque como alternativas ao GPS. O russo GLONASS, o chinês BeiDou, o europeu Galileo, o indiano NavIC e o japonês QZSS são exemplos de constelações independentes e interoperáveis. Muitos dispositivos modernos já operam com múltiplos sistemas, reduzindo a dependência exclusiva do GPS norte-americano.
A divulgadora científica Ana Apleiade, mestranda em Astrofísica na USP, reforça que mesmo em uma situação extrema, como a suspensão do GPS civil, o Brasil e outros países não ficariam completamente “no escuro”. “Celulares, aviões, navios e equipamentos atuais já são compatíveis com diferentes constelações. O GPS não é mais o único sistema disponível”, explica.
Apesar disso, ela alerta que qualquer medida nesse sentido teria alto custo político e diplomático. “Não é uma questão de apertar um botão. A decisão envolveria impactos globais e poderia configurar um ato de hostilidade grave entre nações.”
Enquanto o cenário de corte de GPS permanece altamente improvável, a tensão diplomática entre Washington e Brasília reacende debates sobre soberania tecnológica e vulnerabilidade de infraestruturas críticas a decisões geopolíticas.