Dois ex-combatentes brasileiros que participaram da guerra entre Ucrânia e Rússia relataram ao g1 as experiências traumáticas que viveram no conflito. Apesar das motivações distintas, ambos descreveram a realidade no front como brutal e marcada por sofrimento, dificuldades estruturais e medo constante da morte.
Wemerson Darlan, de 35 anos, conhecido como Dean Darlanw, é natural de Belo Horizonte (MG) e serviu na Guarda Nacional Ucraniana por um ano, entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025. O outro ex-combatente, de 22 anos, usou o codinome "DC" e permaneceu no combate entre março e julho de 2025. Segundo o Itamaraty, nove brasileiros já morreram na guerra e outros 17 estão desaparecidos.
Darlan teve um ano de experiência entre Kiev, considerada fora da zona de combate direto, e Donbass, próximo à fronteira com a Rússia. Já DC foi encaminhado aos chamados batalhões de assalto, com foco em ações ofensivas, e passou por diversas regiões, incluindo Izium, onde chegou a ficar próximo da chamada “linha 0” — a mais perigosa.
Ambos chegaram à Ucrânia após se voluntariarem por meio de sites oficiais do governo ucraniano, onde preencheram formulários e bancaram os próprios custos de viagem. Os brasileiros interessados costumam embarcar primeiro para Varsóvia, capital da Polônia, e de lá seguem para Kiev, onde passam por treinamentos básicos de primeiros socorros e armamentos antes de assinar contrato.
DC, ao relatar suas dificuldades, destacou que os salários prometidos não foram pagos conforme esperado e que muitos equipamentos estavam em péssimo estado, inclusive com manchas de sangue. Ele afirmou que precisou arcar com custos pessoais para se manter, incluindo a compra de comida e equipamentos de proteção.
“Fizemos vaquinhas para comprar ferramentas. Era isso: ou você passava fome e comprava um capacete, ou não passava fome e ficava sem o capacete”, contou. Em certo momento, sofreu uma lesão no braço e teve que pagar por tratamento após não receber o suporte necessário da unidade militar.
Já Darlan, que ficou cerca de 20 quilômetros distante da linha de frente, relatou ter recebido treinamento adequado e não enfrentou problemas com os pagamentos. Ainda assim, as lembranças são duras. “Imagina o inferno na Terra. Você vê de tudo: avião tacando bomba, drone, artilharia. É ataque toda hora”, descreveu.
DC permaneceu por 50 dias em trincheiras construídas por brasileiros na “linha 3”, cerca de 12 quilômetros do front. De lá, era escalado com outros combatentes para missões na linha 0, onde muitos não retornavam. “No final, percebemos que ninguém voltava. Quem voltava, vinha ferido, sem perna, baleado ou atingido por granada”, lembrou.
A decisão de voltar ao Brasil foi motivada por esse cenário. DC fugiu da base em um momento de retorno à “casa segura” e percorreu diversos países até conseguir retornar ao país. Já Darlan completou seu contrato de um ano e retornou após testemunhar a morte de seu melhor amigo em combate. Ele conseguiu autorização de seu comandante para retornar sem dificuldades.
Os relatos se somam a outros que vêm à tona desde o início da guerra, e revelam os perigos enfrentados por brasileiros que, movidos por ideologia, aventura ou oportunidades, decidiram integrar o conflito. Publicações nas redes sociais continuam estimulando o recrutamento, mesmo diante dos riscos.
Nas palavras de DC, a guerra deixa marcas profundas: “Você vai morrer ali, seu corpo não vai ser resgatado, sua família vai ficar perguntando por que você foi. É só sofrimento.”