Em Caconde, interior de São Paulo, a chegada da internet via rádio transformou a rotina de agricultores e pecuaristas. O município foi o primeiro a receber o projeto Semear Digital, da Embrapa, que já beneficia dez cidades brasileiras desde 2020. Mais da metade das quase 2.500 pequenas propriedades locais agora está conectada, permitindo desde acesso a aplicativos bancários até o uso de tecnologias de precisão.

O avanço da conectividade é considerado essencial para a sustentabilidade e para a segurança no campo. “A gente não conseguia nem prever o dia da adubação sem internet. Hoje, tudo mudou”, afirma Ademar Pereira, presidente do Sindicato Rural de Caconde. Ele destaca ainda a adoção de drones de pulverização, que reduziram o esforço físico dos trabalhadores e a exposição a agrotóxicos. O equipamento, avaliado em R$ 135 mil, passou a ser usado coletivamente pelos produtores.

O projeto também levou uma fábrica de defensivos biológicos ao sindicato rural, permitindo substituir parte dos agrotóxicos por alternativas mais sustentáveis. “Agora, temos preservação ambiental e ganho em qualidade de produção”, resume Pereira.

A conectividade trouxe impactos além da produção. O criador de tilápias Tiago Oliveira instalou câmeras de vigilância em sua piscicultura, após sucessivos roubos que causavam prejuízos de até R$ 20 mil por gaiola. Desde 2022, quando adotou o sistema, não registrou mais ocorrências. “A internet virou aliada da segurança”, afirma.

No Pará, por exemplo, o desafio foi diferente: na ilha do Marajó, o sinal precisou chegar via satélite, devido à floresta densa. Cada região demanda soluções específicas, seja com antenas repetidoras, seja por conexão satelital.

Segundo dados do IBGE, 15% dos domicílios rurais ainda estavam sem internet em 2024. E, mesmo entre os conectados, apenas 52% tinham acesso a 4G ou 5G. Nas lavouras, a cobertura cai para 34%. Para superar esse cenário, o Semear Digital conta com parceiros como CPQD, USP/Esalq, IAC, Inatel, UFLA e IEA. A escolha das cidades se baseia em mais de 34 indicadores, incluindo IDH, número de propriedades e nível de conectividade.

Entre as inovações levadas ao campo, está o uso de drones equipados com inteligência artificial para contagem de gado. Pesquisadores da Embrapa Digital, em São Carlos, aperfeiçoaram a tecnologia para captar imagens em ângulo inclinado, aumentando a eficiência da contagem e permitindo, futuramente, avaliar o estado de saúde e o peso dos animais.

Outro recurso em expansão são os aplicativos gratuitos desenvolvidos pela Embrapa para celulares Android. Na piscicultura, o Aquicultura Certa auxilia na criação de peixes; já o Roda da Reprodução orienta pecuaristas sobre o manejo de vacas leiteiras. Os sistemas analisam dados fornecidos pelos produtores e indicam ajustes necessários.

A professora Luciana Romani, coordenadora do projeto, ressalta a importância da conectividade para aproximar o produtor da tecnologia. “Sempre tem quem desconfie, mas quando mostramos resultados e números, eles aderem”, explica.

Além do Semear Digital, o Governo Federal lançou o Rural + Conectado, que em 2023 anunciou uma linha de crédito de R$ 1,2 bilhão para ampliar a rede em povoados do Norte e do Nordeste.

A expansão também é internacional. A partir de 2026, a estratégia deve chegar à Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, com financiamento do Programa Cooperativo para o Desenvolvimento da Tecnologia Agroalimentar e Agroindustrial do Cone Sul (Procrisur) e do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

O movimento acompanha o crescimento das agtechs, startups voltadas ao agronegócio, que aumentaram 75% em cinco anos. Segundo o Radar Agtech Brasil 2024, elas se dividem entre soluções “antes da fazenda” (18,6%), “dentro da fazenda” (41,5%) e “depois da fazenda” (39,9%).

Com mais conectividade, o campo não apenas moderniza sua produção, como ganha em sustentabilidade, competitividade e qualidade de vida para os trabalhadores rurais.