Levantamento do Instituto Sou da Paz aponta que 103 novos representantes eleitos neste ano para atuar em 2023 nas assembleias de 23 estados e no Distrito Federal, além do Congresso Nacional, vieram das forças de segurança e armadas (veja abaixo a lista completa com os nomes dos parlamentares).
O grupo de parlamentares dessas forças é conhecido, popularmente, como 'Bancada da Bala'. De acordo com o Sou da Paz, 57 deputados estaduais (sendo um deles distrital), 44 deputados federais e dois senadores são ou já foram policiais civis, policiais militares, bombeiros, policiais federais e integrantes do exército.
"Esse termo ['Bancada da Bala'] tem sido usado em várias acepções. Muitas vezes ligado aos parlamentares ligados às forças de segurança, outras para se referir ao grupo mais diretamente ligado à indústria de armas e ao armamentismo, outras para aqueles que defendem o endurecimento penal para resolver o problema da violência", disse ao g1 Felippe Angeli, gerente do Sou da Paz. "Muitas vezes o mesmo parlamentar integra todos os grupos, mas outras vezes não se reconhece nessa definição".
Alguns desses parlamentares, de acordo com o especialista, são conhecidos por defenderem pautas como a da flexibilização de leis para armar a população, permitir a compra de mais armas e munições pelos CACs, sigla usada para definir o grupo chamado de Colecionadores, Atiradores e Caçadores, endurecimento e redução da maioridade penal, e excludente de ilicitude para policiais envolvidos em ocorrências com suspeitos mortos, entre outras.
"São candidatos e políticos em geral, que se beneficiam muito mais do status policial para benefício próprio. E aí embarcam nesse debate político, mais no campo dos costumes, mais ideologizado, mais próprio nesse campo do bolsonarismo [como são chamados os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL)] do que policiais que estão ali, de fato, se candidatando para representar suas corporações", disse Felippe.
O Sou da Paz estuda dinâmicas das violências, do uso de armas no Brasil e desenvolve metodologias para tentar prevenir ocorrências de alguns crimes. Além disso, acompanha os índices de esclarecimentos de homicídio no país e nos estados, por exemplo.
Segundo Felippe, a eleição dos parlamentares ligados às forças de segurança poderá fortalecer as aprovações de pautas de costumes e ideológicas, deixando de lado questões relacionadas à própria categoria que cada um dos parlamentares representa. De acordo com o especialista, assuntos como salários, condições de trabalho e investimentos tecnológicos nas corporações podem ficar em segundo plano.
Para fazer o levantamento com os parlamentares oriundos das forças de seguranças e armadas, o Sou da Paz considerou as profissões que os candidatos informaram atualmente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mas também procuraram saber quais os empregos que eles tiveram no passado. Para isso, checaram o que cada um dos candidatos já fez antes de se eleger.
Segundo o Sou da Paz, dos 57 deputados estaduais eleitos que têm ou tiveram ligação com as forças de segurança e armadas e que irão compor suas assembleias legislativas:
Ainda de acordo com o instituto, 26 dos novos deputados estaduais são ou foram ligados à Polícia Civil. Outros 23 estiveram na Polícia Militar (PM); 1 no Corpo de Bombeiros; 2 são militares aposentados; 3 eram do Exército e 2 da Polícia Federal (PF).
O estado brasileiro com maior número de deputados estaduais ligados à 'Bancada da Bala' é São Paulo, com sete representantes, de acordo com dados do instituto. Em 2018, 11 parlamentares ligados às forças de segurança foram eleitos, segundo o Sou da Paz.
Neste ano foram eleitos para compor as 94 cadeiras da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 2023:
Deputados estaduais são responsáveis por fiscalizar como atuam governadores. Eles também têm de apresentar projetos de lei, resoluções, decretos e propostas de emenda. Além disso, podem criar Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) para apurar irregularidades. O mandato de cada um desses parlamentares é de 4 anos.
Para o Sou da Paz, a presença constante de membros das forças de segurança que vem ocorrendo há mais de uma década acende um sinal de alerta.
"É uma coisa que nos preocupa muito é a politização dessas forças. Essas forças começam a ser influenciadas por um nível de politização, de influência partidária que prejudica muito a segurança pública na ponta. A gente tem estudado isso. A gente tem chamado de policialismo. Então você tem essas greves de policiais. Você tem a presença das milícias no Rio de Janeiro, que é uma particularidade muito própria."
Em se tratando da Câmara dos Deputados Federais, 44 dos 513 parlamentares que estarão em Brasília em 2023 tiveram formação profissional associada às forças de segurança ou armadas, segundo o Sou da Paz:
Mais populoso e com o maior número de cadeiras, São Paulo também é o estado que mais ofereceu parlamentares ligados às forças de segurança para comporem a bancada dos deputados federais na capital do Brasil. Entre os escolhidos estão: Delegado Da Cunha (PP-SP) e Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP).
Os dois eleitos respondem a processos administrativos na Polícia Civil de São Paulo. Da Cunha é acusado de ter mentido ao inventar a prisão de um chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC) para ganhar seguidores nas redes sociais. Já Bilynskyj teria feito apologia aos crimes de estupro e racismo em vídeo promocional do curso online que oferece.
Os dois delegados negam as acusações. Apesar disso, o Conselho da Polícia Civil sugeriu ao governo estadual as demissões deles. O g1 não conseguiu localizar Da Cunha para comentar o assunto.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que "os processos administrativos referentes às demissões dos delegados Carlos Alberto da Cunha e Paulo Francisco Muniz Bilynskyj seguem em trâmite pela SSP. A Lei Complementar nº 207/1979, que institui a Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo impede o fornecimento de informações à imprensa ou a outros meios de divulgação sobre os atos processuais."
Segundo o Sou da Paz, os perfis da maioria dos parlamentares escolhidos no universo daqueles ligados às forças de segurança passa por dois pilares: "É o caso desses policiais influencers. Eles são muito mais influencers de Youtube do que policiais. E você tem esse campo mais ligado ao bolsonarismo e a questão de costumes", disse Felippe.
"Qual que é o fundamento do Instituto Sou da Paz para dizer que policiais eleitos não vão propor melhorias para a polícia? Esses caras [do instituto] são uma piada, uma comédia. É difícil respeitar gente que não justifica o que fala", rebateu Bilynskyj, ao ser questionado pelo g1. "A minha atuação vai ser com base nos valores que eu sempre defendi, com base no conservadorismo, na defesa da vida, na defesa das liberdades individuais. E de forma bastante combativa, transferindo toda minha capacidade de trabalho para essa missão de representar os paulistas no Congresso Nacional."
Sobre o procedimento administrativo que responde na Corregedoria da Polícia Civil, Bilynskyj falou que desconhece se o governo do estado já tomou alguma decisão sobre a sua situação na instituição. "O que eu posso dizer é que é uma acusação feita em sede administrativa que não tem fundamento numa decisão judicial. Então é altamente reversível e questionável", falou o delegado deputado sobre a sugestão do Conselho que pediu a demissão dele.
Delegado Paulo Bilynskyj foi eleito deputado federal pelo PL de São Paulo — Foto: Reprodução/Instagram
Entre os parlamentares que estarão na Câmara dos Deputados, Delegada Adriana Accorsi, do PT de Goiás, é de um partido que, tradicionalmente, tem pautas contrárias às bandeiras como armar a população ou excludente de ilicitude para policiais envolvidos em ações que terminem em mortes de suspeitos.
"Não aceito ser chamada de integrante da 'Bancada da Bala'. O nome mais adequado é ‘Bancada da Segurança’. É um termo mais apropriado porque é essa a função que as pessoas que desejam de nós, parlamentares. Nós somos escolhidos pela população para compartilhar nossas experiências como trabalhadores da Segurança Pública para trazer mais segurança para as pessoas. Pra trazer projetos de lei que se reflitam em políticas públicas que tragam segurança para as famílias, não bala”, disse Adriana ao g1.
"Eu sou adepta de uma ideia de que o principal investimento de segurança pública também passa pelo investimento em Educação. É o grande caminho para o desenvolvimento de uma nação. Acredito em políticas sociais", falou a única profissional da Segurança Pública eleita deputada federal no campo da esquerda.
Ela, por exemplo, é cabo eleitoral do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que concorre à Presidência pelo PT. “Por isso, é muito sério quando a gente vê pessoas eleitas para trazer paz social, proteger as pessoas, mas defendem o armamento da população. O armamento é contrário a uma política pública de Segurança. São medidas que podem contribuir, inclusive, para ter um país mais violento”, afirmou Adriana.
Deputados federais discutem e votam propostas nas áreas econômicas, sociais, de educação, saúde, habitação, transporte. Também fiscalizam como o dinheiro público é empregado. Votam ainda o orçamento da União. Podem também analisar, aprovar ou rejeitar medidas provisórias editadas pelo governo federal. O mandato de cada um desses parlamentares é de 4 anos.
Delegada Adriana Accorsi (PT-GO) — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Segundo o Sou da Paz, dos 81 parlamentares que estarão no ano que vem no Senado em Brasília, dois deles vieram das forças armadas:
Mourão é atualmente o vice-presidente do Brasil. E Pontes foi ministro da Ciência no governo Bolsonaro.
Senadores legislam e fiscalizam o Poder Executivo. Eles discutem e votam propostas e projetos de lei nas áreas econômicas, sociais, de educação, saúde, habitação, transporte. Também fiscalizam como o dinheiro público é empregado. Votam ainda o orçamento da União. Podem também analisar, aprovar ou rejeitar medidas provisórias editadas pelo governo federal. O mandato de cada um desses parlamentares é de 8 anos.
De acordo com o Sou da Paz, essa aposta de parlamentares ligados às forças de segurança no endurecimento penal e no armamentismo só tem contribuído para o aumento da criminalidade. "Isso gerou simplesmente uma explosão na população carcerária e a criação de todas as facções criminosas que a gente conhece hoje. Essas facções criminosas foram criadas dentro de presídios", disse Felippe.
Hamilton Mourão foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul; Marcos Pontes se elegeu para o Senado por São Paulo — Foto: Bruno Batista /VPR e Abraão Cruz/TV Globo
Veja quem são os 103 parlamentares eleitos que compõem a nova 'Bancada da Bala' no país, a partir do levantamento do Sou da Paz:
General Eduardo Pazuello, em foto de quando era ministro da Saúde do governo Bolsonaro, foi eleito deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro — Foto: Arquivo/Eraldo Peres/AP Photo