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Sexta, 02 de dezembro de 2022 - 08:41:40
Delegado pede desculpas por conduta ao deter mulher que teria descumprido medida protetiva
SORRISO-MT
O delegado Bruno França, que invadiu casa de uma mulher em um condomínio de luxo de Cuiabá, porque, segundo ele, ela descupriu uma medida protetiva contra o enteado dele, de 13 anos, pediu desculpas pela condução na prisão e afirmou que pediu afastamento

O delegado Bruno França, que invadiu casa de uma mulher em um condomínio de luxo de Cuiabá, porque, segundo ele, ela descupriu uma medida protetiva contra o enteado dele, de 13 anos, pediu desculpas pela condução na prisão e afirmou que pediu afastamento da Polícia Civil por 30 dias. Ele publicou uma nota de esclarecimento nesta quinta-feira (1º).

A ação, realizada sem mandado judicial permitindo a entrada dele na casa da mulher, ocorreu na noite de segunda-feira (28) e foi registrada pelas câmeras de segurança do imóvel. As imagens mostram França bastante agressivo. Ele diz, ao menos duas vezes, que vai explodir a cabeça da mulher e, segundo a família, chegou a apontar a arma para uma criança de 4 anos. Ele está acompanhado de policiais da Gerência de Operações Especiais (GOE), armados com fuzis.

 

A Corregedoria da Polícia Civil investiga a conduta do delegado e se houve descumprimento da decisão judicial por parte da mulher. A defesa dela alega que não foi notificada até o momento do documento, que determina que ela permaneça a 1.000 metros de distância do adolescente e que não frequente escolas em que ele esteja matriculado.

Na nota de esclarecimento, França relata que, na segunda-feira, enteado o procurou pedindo socorro, porque a mulher foi até a quadra poliesportiva do condomínio, onde ela mora e ele estava como visitante, e iniciou os ataques contra ele.

O delegado afirma que bateu na porta da casa, mas não teve resposta. Por isso, decidiu arrombá-la, mas que em "nenhum momento apontei arma de fogo para nenhuma das pessoas na casa". Ele reconhece o excesso na "verbalização" e diz que errou.

"Peço ainda desculpas pelo susto causado à criança inocente que se encontrava dentro da residência. Não sabíamos da presença antes da entrada e, desde o ocorrido, a ideia do medo que causei a essa menina é, de longe, aquilo que mais tem me machucado. A Polícia Civil existe para proteger as pessoas e não para assustá-las, motivo pelo qual espero que um dia essa criança possa me perdoar", disse.

França também cita a participação dos demais policiais na ação. "Gostaria de deixar claro que a decisão de realizar a prisão é de responsabilidade minha, tendo os colegas da GOE inclusive tentado me acalmar nos momentos de maior emoção. Não possuem qualquer responsabilidade", diz a nota.

O delegado solicitou à Corregedoria da Polícia Civil o afastamento por 30 dias ou até o final das apurações. Porém, o órgão informou que, até a última atualização desta reportagem, não havia recebido a solicitação.

"Quanto à decisão de enfrentar a agressora e realizar sua captura, tal conduta não possui qualquer ilicitude e não goza de arrependimento de minha parte", finaliza França.

Nesta quinta-feira (1°), o governador Mauro Mendes (União) disse em entrevista que concorda com a condução do caso pela Polícia Civil.

"A Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Civil já falaram sobre isso e eu concordo com o posicionamento deles. Realmente, à altura do que aconteceu, acho que eles devem, provavelmente, afastar o delegado e fazer uma apuração dentro daquilo que estabelece a legislação”, disse.

 

Entenda o caso

Na noite de segunda-feira (28), o delegado arrombou a porta da casa e deteve a mulher que, segundo ele, descumpriu uma medida protetiva contra o enteado dele, de 13 anos. A ação foi registrada pela câmara de segurança de um dos cômodos, que flagrou a agressividade do homem, armado, e acompanhado por outros policiais. A filha da mulher, de 4 anos, chora durante toda a ação e, por diversas vezes, os policiais dão sinais para que França e também os moradores se acalmem.

A medida protetiva foi expedida expedida pela juíza Gleide Bispo Santo, da 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, no dia 24 de outubro, após investigação conduzida pela Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Além de manter distância do garoto, ela está impedida de frequentar a casa de familiares do adolescente e a escola que ele estiver matriculado, sob pena de sofrer as sanções previstas em lei.

Porém, o advogado da mulher, Rodrigo Pouso Miranda, afirma que nem ele nem a cliente tinham conhecimento da medida protetiva e desconheciam, até então, o teor dela.

 

A mulher, em entrevista à TV Centro América, disse que viveu cenas de terror.

“Minha filha tem 4 anos e ele gritava demais ‘vou estourar a sua cabeça’. Meu marido pedia calma e minha filha pedia ‘por favor, para tio, não faz isso’ e ele falava ‘manda essa menina calar a boca’ e apontou a arma para ela. Ele foi agressivo”, contou a mulher, que não quer ser identificada.

A vítima disse que, no momento da ação policial, fazia a menina dormir e assistia à televisão, enquanto o marido fazia uma sessão de massagem.

“Ninguém entendeu aquele absurdo. Foi uma cena de terror, ameaça o tempo inteiro. Nada justifica essa agressividade”, relatou a mulher, que passou por uma cirurgia recente na mão e está com drenos.

A família morava em outro condomínio, onde o filho de 11 anos passou a ser agredido e a sofrer bullying por crianças do bairro – entre elas, conforme Pouso, o enteado do delegado. Por isso, decidiram se mudar.

“Fiquei em desespero e meu marido deu a ideia de mudar de casa, porque a gente não aguentava mais. As famílias foram notificadas e ninguém veio falar com a gente. Meu marido conversou com alguns pais sobre a situação e alguns entenderam. Antes de acontecer isso, eu vi vários episódios de xingamentos, de empurrões. A vítima é meu filho e, agora, minha minha filha de 4 anos. Ela está sem dormir”, disse a mãe.

 

Investigação

 

Corregedoria da Polícia Civil disse que vai investigar o delegado Bruno França — Foto: TV Centro América

Bruno França trabalha no município de Sorriso, a 420 km de Cuiabá, e está em estado probatório. Ele foi aprovado no último concurso da Polícia Civil e ingressou na instituição em janeiro deste ano.

A Corregedoria da Polícia Civil afirmou, nesta quarta-feira (30), que está investigando a conduta de França. O delegado-corregedor da Polícia Civil, Marcelino Felisbino, disse ainda que a polícia está apurando como foi realizado o acionamento da equipe operacional de elite.

“Já temos pessoas intimadas para apurar como foi e a justificativa para ter essa operação policial. A primeira coisa é buscar se houve alguma ação imprópria e, tendo indício, vai ser instalado um procedimento formal e, posteriormente, a responsabilização dos atos", disse.

Felisbino contou que a polícia também vai investigar se houve descumprimento da medida protetiva por parte da mulher. A punição para o delegado, caso haja a comprovação de ação imprópria, pode ser de advertência ou até suspensão.

LEIA A NOTA EMITIDA PELO DELEGADO

 

Na noite do dia 28/11/2022 realizei a captura em flagrante de uma mulher sob a justificativa de estar ameaçando, injuriando e descumprindo medida protetiva existente em favor de J., meu enteado de treze anos. Conforme registrado em procedimento sigiloso na Delegacia Especializada de Direitos da Criança e do Adolescente, há meses a conduzida vem perseguindo, humilhando e aterrorizando o menor de maneira injustificada, motivo este que levou o Poder Judiciário a deferir pedido de medida protetiva em favor do infante.
 

Consta demonstrado em procedimento investigativo que a autuada se deslocou até a quadra poliesportiva em que se encontrava a vítima e iniciou os ataques, recorrentes e injustificáveis, contra o adolescente que, após se refugiar na casa de um amigo, pediu socorro.
 

Após o menor ser resgatado e me relatar os fatos entendi que se tratava de situação flagrancial, motivo pelo qual solicitei apoio a diversos colegas da Polícia Civil para efetuar a prisão. Após sortidos pedidos, fui atendido pelos colegas da Gerência de Operações Especiais.
 

Diferente da forma expositiva que a conduzida vem tratando o caso, expondo publicamente procedimentos em que estão envolvidos direitos de crianças e adolescentes, nunca divulguei de forma extraprocessual os vídeos das agressões cometidas pela conduzida, em especial os vídeos gravados pela vítima, o menor J. de treze anos, em estado de pânico, no início da noite de 28/11/2022.
 

Desde já gostaria de deixar claro que a decisão de realizar a prisão é de responsabilidade única e exclusiva minha, tendo os colegas da GOE inclusive tentado me acalmar nos momentos de maior emoção. Não possuem qualquer responsabilidade, apenas parceria e lealdade para atender o chamado de um policial em necessidade.
 

Após bater a porta sem resposta e, considerando a situação flagrancial, decidi por adentrar a residência para efetuar a captura.
 

Diferente do falsamente alegado de forma incessante pela conduzida, em nenhum momento apontei arma de fogo para nenhuma das pessoas na casa. As próprias imagens do momento da abordagem demonstram que a arma esteve o tempo todo, que inclusive foi curto, apontada para baixo como reza o procedimento.
 

Todavia é necessário que eu reconheça, publicamente e de forma humilde, que me excedi na verbalização dirigida à conduzida no momento da abordagem. Isso foi um erro pelo qual peço, a todos, as mais sinceras desculpas. Tal excesso, em que pese ser injustificável, é alicerçado por certa compreensividade, considerando que me encontrava em situação em que meu enteado estava sendo vitimado e, minutos antes, havia se dirigido a mim em estado de terror.
 

Peço ainda desculpas pelo susto causado à criança inocente que se encontrava dentro da residência. Não sabíamos da presença desta no interior do cômodo antes da entrada e, desde o ocorrido, a ideia do medo que causei a essa menina é, de longe, aquilo que mais tem me machucado.
 

A Polícia Civil existe para proteger as pessoas e não para assustá-las, motivo pelo qual espero que um dia essa criança possa me perdoar. 

Gostaria de enfatizar que, em que pese a violenta emoção que me encontrava no momento, não houve contato físico com nenhuma das pessoas da residência.

Esclareço ainda que, ao contrário do que vem sendo noticiado, sequer acompanhei a conduzida na viatura durante o trajeto até a Central de Flagrantes. Pelo contrário, me desloquei em veículo distinto exatamente
para que a conduzida pudesse ser transportada do lado de dentro da viatura e não no local destinado aos presos.
 

Aos membros da Ordem dos Advogados do Brasil que por tantos anos ombreei em busca de justiça, peço desculpas pelo ato injustificável que realizei em desfavor do Dr. Rodrigo Pouso. Esclareço que no momento das ofensas o procedimento de condução já havia terminado e me encontrava no saguão da delegacia dando apoio ao meu enteado que aguardava para ser ouvido.
 

Peço, sinceramente, que me desculpem. Enfatizo que até o presente momento jamais fui representado,
sequer uma vez, pelo Ministério Público ou pela Ordem dos Advogados do Brasil por atos cometidos no exercício de minha profissão.
 

Chegou ao meu conhecimento que a Ordem dos Advogados do Brasil entendeu por bem que eu seja afastado das minhas funções durante o esclarecimento dos fatos, tendo realizado pedido à Corregedoria de Polícia Civil.
 

Se os nobres colegas entendem que é melhor para saúde do procedimento que eu momentaneamente me afaste de minhas funções, voluntariamente atendo o pleito. Ademais, não entendo como justo e razoável que eu seja ressarcido pelos cofres públicos durante a averiguação de excessos verbais que cometi em uma abordagem.

Logo, desde já, antecipo que solicitei à Corregedoria de Polícia Civil meu afastamento não remunerado pelo prazo de 30 dias, renováveis por mais 30 se entenderem necessário ou até o final das apurações.
 

Peço desculpas também aos membros da sociedade que, direta ou indiretamente, se sentiram ofendidos pelo ocorrido tendo em vista as imagens divulgadas fora do contexto dos fatos. Fatos estes que serão obviamente esclarecidos.
 

Agradeço o apoio a mim dispensado pelas famílias das outras crianças vitimadas pela conduzida.
 

Por fim, em resposta àqueles que questionam se me arrependo do ocorrido, informo que estou profundamente arrependido por ter me extrapolado na verbalização realizada dentro do domicílio da conduzida.
 

Quanto à decisão de enfrentar a agressora e realizar sua captura, tal conduta não possui qualquer ilicitude e não goza de arrependimento de minha parte. Desde a noite de 28/11/2022 venho sendo atacado na imprensa de forma injusta e não verdadeira pela conduzida. Todavia, desde a noite de 28/11/2022 meu enteado está, finalmente, protegido e seguro.
 

A todos, de coração, minhas mais sinceras desculpas.
 

Bruno França Ferreira
 

Delegado de Polícia.

Texto/Fonte: Redação