O caminho que levou a professora Francisca Iraci, de 52 anos, a viver há mais de uma década com câncer de forma estável começou em 2013, quando aceitou integrar um protocolo experimental com uma medicação ainda não aprovada no Brasil. O prognóstico, na época, era desanimador: um ano de vida. Hoje, são 14 anos dançando forró, viajando e vivendo com qualidade.
Casos como o dela, e também o da paciente Jocy, que viu seus nódulos praticamente desaparecerem após integrar um estudo clínico, ilustram os benefícios potenciais dessas pesquisas, muitas vezes envoltas em desinformação. “Se tivessem me dito que era uma pesquisa, talvez eu recusasse. Achei que seria cobaia. Mas foi a melhor oportunidade da minha vida”, contou Jocy.
As pesquisas clínicas são estudos científicos com pacientes que testam medicamentos ou terapias ainda em desenvolvimento. No caso do câncer, podem envolver imunoterapia, terapia celular ou combinações de tratamentos já aprovados. Todo tratamento usado atualmente passou antes por essa etapa — que pode levar até dez anos para ser concluída.
A jornada começa com testes em laboratório e animais (fase pré-clínica). A partir daí, o processo avança por quatro fases: na primeira, define-se a dose segura; na segunda, avalia-se eficácia e efeitos colaterais; na terceira, centenas ou milhares de pacientes recebem o novo tratamento, que é comparado ao padrão vigente; e, mesmo após aprovação, a fase quatro segue monitorando os resultados em larga escala.
Grande parte dos estudos segue o formato “randomizado e duplo-cego”. Isso significa que os pacientes são sorteados para dois grupos: um recebe o tratamento padrão, e o outro, o mesmo tratamento somado ao novo medicamento. Nem médicos nem pacientes sabem quem está em qual grupo, o que evita interferências nos resultados. “Ninguém recebe menos do que o melhor disponível no momento”, garante Luiz Fernando Lima Reis, diretor de pesquisa do Hospital Sírio-Libanês.
Se os resultados do grupo experimental se mostrarem significativamente melhores, os demais participantes podem ser transferidos para o novo tratamento. Toda a estrutura — exames, consultas, medicamentos, transporte e até hospedagem — é custeada pelo patrocinador da pesquisa, geralmente uma indústria farmacêutica ou entidade internacional.
A legislação brasileira proíbe que o paciente tenha qualquer gasto. “É obrigatório que todo o cuidado médico seja custeado pelo patrocinador”, reforça o oncologista Stephen Stefani, da Americas Health Foundation. Ainda segundo ele, é comum oferecer ajuda de custo para deslocamento e alimentação.
Em 2023, uma nova legislação sancionada pelo presidente Lula ampliou o potencial de crescimento das pesquisas clínicas no Brasil. A Lei das Pesquisas Clínicas fixou prazos para aprovação de protocolos, limitou a obrigação de fornecimento de medicamentos após os estudos e conferiu mais segurança jurídica aos centros de pesquisa.
Apesar do avanço, o Brasil ainda representa menos de 5% dos estudos clínicos no mundo, o que, segundo especialistas, é um desperdício considerando sua diversidade genética e o grande número de pessoas com dificuldade de acesso a tratamentos de ponta.
A entrada em um estudo clínico pode ser indicada pelo próprio oncologista, especialmente em centros de referência. Mas o paciente também pode buscar por conta própria, utilizando plataformas como REBEC, ClinicalTrials.gov, LetMeTrial ou Lifetime Pesquisa Clínica. Essas ferramentas ajudam a encontrar protocolos compatíveis com o perfil do paciente.
Juliana Mauri, gerente da Rede Vencer o Câncer, destaca a importância da autonomia do paciente: “Ele não precisa esperar que o médico ofereça. Pode buscar e perguntar se há um protocolo em que se encaixa”.
Além dos benefícios individuais, a participação em pesquisas também impacta positivamente o SUS. Quando um paciente integra um estudo, o sistema público deixa de arcar com seu tratamento, ao mesmo tempo em que amplia o acesso a terapias inovadoras. “É uma forma de aliviar o SUS e ainda entregar excelência médica”, afirma Luiz Fernando.
Segundo médicos, centros que realizam pesquisas clínicas tendem a apresentar melhores desfechos, mais rigor técnico e maior segurança assistencial. Embora nem sempre tragam cura, esses estudos podem representar uma chance de prolongar e melhorar a vida.
O recente caso da cantora Preta Gil, que faleceu após participar de uma pesquisa nos EUA, levantou discussões. “Ela não morreu por ter participado da pesquisa. Morreu de um câncer agressivo. O estudo era a melhor alternativa naquele momento”, explica Juliana.
Para Jocy e Francisca, a experiência transformou suas perspectivas. “Conheço pessoas que vivem há mais de 20 anos com câncer. O tratamento me deu qualidade de vida. O câncer não é mais uma sentença de morte”, conclui Jocy.