Francisca da Silva de Souza, de 72 anos, vive na periferia de Fortaleza, no Ceará. Analfabeta, viúva e pensionista do INSS, ela complementa sua renda com serviços de manicure. Apesar disso, Francisca aparece formalmente como presidente de uma entidade que contava com quase 492 mil associados em maio de 2024, que tinha mensalidades descontadas diretamente das aposentadorias, gerando milhões de reais por mês.
Na terça-feira (20), a Defensoria Pública do Ceará entrou com ação na Justiça estadual, apontando que a idosa foi vítima de fraude dentro de outra fraude. “Francisca foi indevidamente inserida como dirigente de uma entidade da qual jamais participou ativamente, não exercendo qualquer função de gestão ou controle”, afirma o órgão. Ela começou a receber centenas de cartas de cobrança e responde a mais de 200 processos na Justiça.
O pedido da Defensoria é que Francisca seja retirada dos registros e da direção da Aapen, livrando-a de qualquer responsabilidade pelas supostas fraudes praticadas pela associação. “Resta evidente que não se trata de presidente ou administradora de qualquer associação, mas sim de uma hipervulnerável enganada por pessoas inescrupulosas, assumindo, em razão da sua falta de informação, a condição de 'laranja'”, diz a ação.
Segundo a Defensoria, em 2023, Francisca foi abordada por uma mulher chamada Liduína, que afirmou que ela tinha direito a um empréstimo. A idosa conheceu um grupo de advogados apresentados por Liduína, assinou documentos e, sem saber, acabou figurando como presidente da Aapen. Para comprovar que foi enganada, Francisca anexou trocas de mensagens e áudios com esses advogados, incluindo registros de suas preocupações sobre cobranças e risco de cancelamento do CPF.
A investigação policial aponta que o escritório de uma advogada, Cecilia Rodrigues da Mota, recebeu valores de associações investigadas e os repassou a empresas ligadas a familiares de servidores do INSS. A Polícia Federal identificou indícios de que presidentes de dez associações poderiam ser “laranjas”, incluindo Francisca. Tentativas do g1 de localizar Cecilia e os atuais representantes da Aapen não tiveram sucesso.
Um dos advogados que se comunicou com Francisca, Ricardo Santiago, alegou que o áudio apresentado na ação foi “tirado de contexto” e que não tem relação com os fatos alegados.
Atualmente, há 13 inquéritos da PF investigando fraudes nos descontos associativos em São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Sergipe e Distrito Federal. Até o momento, foram apreendidos bens avaliados em R$ 176,7 milhões e contas bancárias foram bloqueadas. Dois investigados permanecem presos preventivamente.