A defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por transações comerciais sem o uso do dólar reacendeu um debate que envolve tanto questões econômicas quanto geopolíticas. A ideia, também sustentada por países como China e Rússia, faz parte das discussões do Brics e visa reduzir a dependência das nações emergentes em relação à moeda norte-americana.
Durante discurso recente, Lula afirmou que Brasil e Indonésia pretendem discutir formas de realizar trocas comerciais utilizando as moedas locais. O presidente argumentou que é preciso “democracia comercial” e não “protecionismo”, numa crítica indireta ao papel dominante dos Estados Unidos no comércio global.
Desde o Acordo de Bretton Woods, firmado em 1944, o dólar consolidou-se como o principal padrão internacional de referência. Sua estabilidade e ampla aceitação facilitaram o uso da moeda em contratos e operações de crédito em todo o mundo, o que acabou reforçando a posição dos EUA no sistema financeiro global.
Nos últimos anos, porém, países emergentes vêm questionando essa dependência. Para integrantes do Brics — bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, o uso de moedas nacionais reduziria a exposição a oscilações da política monetária americana e diminuiria o impacto de sanções econômicas.
A exclusão da Rússia do sistema SWIFT, após a invasão da Ucrânia, foi um ponto de inflexão. Sem acesso ao principal sistema de mensagens financeiras do mundo, Moscou passou a priorizar o uso de rublos e yuans em suas transações, fortalecendo a parceria com a China. Pequim, por sua vez, tem ampliado o uso do yuan em acordos bilaterais — inclusive com países da América do Sul, como a Argentina, que recebeu financiamento chinês em moeda local durante sua crise recente.
Para a China, aumentar a influência internacional do yuan é estratégico: significa ganhar espaço frente ao dólar e reforçar sua posição como potência econômica.
Nos Estados Unidos, a possibilidade de o Brics substituir o dólar vem sendo recebida com resistência. O presidente Donald Trump ameaçou aplicar novas tarifas sobre produtos do grupo, incluindo o café brasileiro, que já enfrenta taxação de 50%. Analistas veem as declarações de Lula como um possível obstáculo às negociações comerciais previstas entre ele e Trump, que devem ocorrer na Malásia no domingo (26).
Apesar da retórica, a implementação da proposta ainda está longe de se concretizar. Rússia e China lideram iniciativas bilaterais para operar em moedas próprias, e o Banco Central do Brasil já assinou um acordo com o chinês para facilitar transações diretas entre o real e o yuan. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como Banco dos Brics, também vem ampliando financiamentos em moedas locais para reduzir a dependência de instituições ocidentais, como o FMI e o Banco Mundial.
Economistas, no entanto, alertam que substituir o dólar traria riscos significativos. A moeda americana é hoje a mais estável e líquida do planeta. Abandoná-la poderia aumentar a volatilidade cambial, encarecer o crédito internacional e gerar desconfiança entre investidores.
Além disso, nenhuma moeda rival tem, no momento, a mesma aceitação global. O euro enfrenta limitações e o yuan é fortemente controlado pelo governo chinês. Sem um substituto confiável, o comércio internacional poderia enfrentar mais incertezas e retração.
Na prática, a proposta defendida por Lula ainda é mais política do que operacional. Embora avance nas discussões multilaterais, a substituição efetiva do dólar exigiria décadas de ajustes econômicos, diplomáticos e institucionais — e, por enquanto, permanece como uma meta distante.